Kazuma e Asahi #85


O dia estava cinza lá fora, Asahi sabia porque havia espiado na casa enquanto ele dormia, ou ele nunca deixaria a si fazer aquilo. As vezes era inevitável, sentia falta do tempo, das flores, do céu, precisava sair para tomar ar fresco. Havia feito o almoço e agora, curiosamente lia um livro no canto do quarto, enquanto ouvia atentamente a conversa dele com outro militar na sala, buscando saber se havia alguma novidade, é só se levantou quando finalmente ouviu o nome da vila onde antes morava.
- Kazuma? - Disse, aproximando-se dele. - ... Encontraram ele?
Após se despedir do outro militar, Kazuma assentiu à continência em despedida. Só então se voltou ao menor, curioso diante da conversa. Sorriu de canto, vendo que ele já não estava tão magro.
- Não há mais ninguém na igreja. Toda a região foi evacuada, não encontramos o padre, porém é possível que ele e os demais tenham se abrigado em algum lugar.
Disse, embora na verdade não pudesse lhe assegurar aquilo, alguns corpos foram encontrados por lá, o dele não, porém, nada garantia sua vida, duvidava disso, mas antes sumir do que confirmar sua morte ao garoto. Asahi u
niu as sobrancelhas, assentindo a ele, e imaginava que não iria encontrá-lo nunca mais, a igreja nunca havia sido evacuada antes, e um padre não deixaria sua igreja.
- Bem... Já havia se acostumado com isso. ... Tudo bem, não acho que eu vá vê-lo novamente.
- Ele deve estar seguro, ele pode ter sido transferido como antes. Sabe que para uma segunda guerra, estamos todos preparados mais que antes.
- É, mas... Os padres não deixam a igreja. Ele certamente iria querer morrer lá dentro.
- Você não sabe como é uma ordem de evacuação militar, eles o arrastariam se preciso. Deus sabe o que faz, não é?
Asahi desviou o olhar a ele e por fim assentiu.
- ... Sim. 
- Senhor? Eu trouxe os suprimentos. 
Ouviu a voz do rapaz, vinda de trás dele, e carregava uma caixa, contendo as coisas que usavam no dia a dia, porém, o que mais chamou atenção fora o rosto do rapaz, e não o que ele trazia. Fitou-o silencioso e de olhos arregalados por alguns instantes, vendo-o entrar no local e por fim afastou-se em passos rápidos.
- ... Você, eu conheço você! Você foi o imbecil que tentou me machucar na igreja aquela vez! 
- O que? ... Eu não conheço você.
- Conhece sim! Eu havia ido atrás de Kazuma, você me disse que me levaria até ele, mas me levou até o meio da floresta, seu desgraçado!
Asahi disse, irritado, diferente de como havia agido na época já que antes, havia estado traumatizado pela ausência dele.
- Obrigado, soldado. - Kazuma disse ao rapaz, porém se virou em breve atenção ao companheiro e ao que dizia. Se lembrava de tê-lo ouvido falar sobre aquilo. - Asahi, se acalme. - Disse e se virou num movimento rápido, pegou o homem pelo pescoço e o segurou sob os dedos. - Você tem certeza disso?
Asahi assentiu conforme olhava o rapaz, de olhos estreitos, tinha certeza, se lembrava de cada pequena parte do rosto dele, agora em pânico com os dedos do outro a apertar sua garganta.
- O que você ia fazer comigo se o comandante não tivesse chego? Achou que eu era um garoto, tentou me segurar, ia tirar minha roupa? Você faz isso em todas as guerras?
- D-Desculpe...
Kazuma observou o menor de soslaio e ainda que estivesse em fúria pelo que ele dizia, deu um sorriso canteiro, achando adorável sua manifestação de coragem, sabia que ele se sentia seguro por estar consigo e era por isso que agia de tal maneira.
- Asahi, acho melhor você sair.
Asahi uniu as sobrancelhas, não sabia se seria bom ele matar o rapaz, se sentiria culpado, um dos mandamentos é que não deveria matar ninguém, mas ele era um general, já havia matado centenas.
- ... Tudo bem.
Disse a observa-lo e seguiu para fora, devagar, porém, permaneceu encostado na parede do lado de fora, tentava ouvir, mas estava atento se ele não iria se machucar. Kazuma e
ntraria em conflito entre perder um soldado pelas próprias mãos, entraria ao perceber que o homem poderia lutar pela guerra, entraria porém se não pensasse em quantos garotos ou garotas não poderiam encontra-lo, como Asahi, em seu caminho. Como teria se livrado de suas más intenções se não fosse o bom homem que o encontrara. Era assim que nada sentia ao segurar em seu pescoço e torce-lo num estalo preciso e rápido, não gostava de barulhos. Asahi pôde ouvir o estalo, nitidamente, e aquilo havia apertado o peito de certa forma, mas nada podia fazer agora, estava morto. Ao se virar, voltou para dentro e fitou o homem em seus braços.
- ... O que vamos fazer com ele?
- Janta-lo.
- Eh?! N-Não seja bobo!
Kazuma riu, num riso silencioso.
- O levarei para os arredores.
- ... E se descobrirem que foi você?
- Não farão nada.
- ... Você me defendeu. - Sorriu.
- Não quando de fato precisou.
- ... Mas está aqui agora. - Sorriu.
- É... Depois descobriremos qual foi o homem que o ajudou.
- Naquele dia... Eu jurei ter visto você, então... Eu fui te procurar. Ele disse que me levaria até lá. Eu... Fiquei tão emocionado que não pensei...
- Ninguém mais se aproveitará de você.
Kazuma disse e deslizou a mão por seu rosto suave, dos olhos até o queixo. Asahi o
 observou e assentiu, repousando o rosto sobre a mão dele.
- Ah... Kazuma... Algo... Algo mexeu... - Disse e tocou a própria barriga pouco crescida. - Está tudo bem com ele?
- É, sabe que papai se estressou. - Kazuma disse, referindo-se a ele mesmo. - Vá, volte a sua leitura, eu vou levar ele lá pra cima. - Disse e pegou o homem, colocando-o sobre o ombro.
Asahi assentiu, embora estivesse achando estranho, já que era a primeira vez que o sentia chutar.
- Vou voltar... Não demore.
- Calma, o bebê só está dando oi... - Kazuma sorriu e o tocou na barriga com a mão desocupada. 
Asahi desviou o olhar a ele e sorriu igualmente, tocando a mão dele com a própria.
- Sentiu?
- Hum. - Murmurou afirmativo. - Está dizendo pra você não se estressar.
O loiro sorriu novamente e assentiu, selando os lábios dele.
- Deveria ser romântico... Se não tivesse um cadáver nos seus braços. - Riu. - Devo abençoá-lo?
- Não. Eu vou leva-lo.
Kazuma dito e após se despedir de sua barriga inquieta naquele dia, subiu, levando o homem para fora da casa, conferindo os arredores antes de entregá-lo ao soldado em posto. Asahi a
ssentiu e permaneceu a observá-lo enquanto seguia para a saída e apertou uma das mãos contra o peito. Após se desfazer do homem, Kazuma voltou alguns minutos mais tarde após uma troca de palavras com o soldado. Desceu de volta e encontrou o garoto parado do mesmo jeito, imaginava que se passasse uma hora, ele estaria esperando daquele mesmo modo, como um cãozinho esperando seu dono, como aquele pequeno animal que levou consigo, imaginava, embora não fosse um cão, que seria bom para ele. O bichinho tinha os pelos sujos e grudentos, olhos arregalados por medo, estava tremendo e não sabia se era de medo, frio ou de fome.
- Olha o que encontramos por aí.
Ao vê-lo descer, Asahi esperava ainda parado no mesmo lugar, aflito, e só então fora que abriu um sorriso nos lábios, porém o sorriso sumiu aos poucos ao ver o pequeno gatinho, não sabia nem dizer a cor dele de tão sujo que estava.
- ...Meu Deus, o que aconteceu com ele?
- Estava no meio da bagunça. É um rapazinho de sorte. Ai ai...
Kazuma resmungou conforme sentiu as unhas doloridas no bichinho que se agarrou na veste, estava amedrontado certamente, uma vez que a audição felina podia ser apurada, ainda mais para ele, por seu tamanho, imaginava que não era um gato adulto. Ao pega-lo em sua tentativa insistente se subir até o próprio pescoço, entregou ao menor.
- Aqui, seu novo companheiro.
Asahi segurou o pequeno gatinho que miou para si e sorriu, acariciando a cabecinha sujinha dele, podia ver seus olhinhos azulados e grandes, era lindo.
- Oi neném, o que aconteceu com você hein? Você é lindo. - Disse e acariciava ele, que se encolhia em meio aos próprios braços. - Vamos aquecer a água pra te dar um banho, hum? Vou deixar morninha.
Kazuma higienizou as mãos com uma toalha enquanto o via recepcionar o bichinho, tocou seus cabelos só após limpar as mãos.
- Acho que ele vai gostar.
Asahi desviou o olhar ao maior e sorriu.
- Ele é meu presente de aniversário? - Disse, animado. - Eu nunca tive um bichinho.
- Acho que você será o presente dele.
Asahi sorriu e aproximou-se a beija-lo no rosto.
- Vamos dar banho nele?
- Hum. Vamos descobrir qual é a cor dele.
Asahi riu e assentiu, seguindo para a cozinha, onde esquentaria a água para o gatinho, claro que suficiente para não machuca-lo. Kazuma seguiu logo após ele, não sem antes ligar o rádio, suficiente para ouvir sem atrapalhar os pais que repousavam junto as suas xícaras de chá. Entregou também os mantimentos aos serviçais e deixou uma das sacolas dentro do próprio quarto, só então se acomodou para vê-lo conhecer seu novo amigo. Ao esquentar a água, testou para ver a temperatura, e visto não estar muito quente, testou no gatinho, que não se moveu.
- Quentinho, né?
Kazuma sentou-se num banquinho que acomodou ali, observou o menor junto de sua nova companhia e percebeu que estava um tanto sorridente. Asahi molhou o gatinho, usando um pouco de sabonete para ensaboa-lo e tirar a terra e com a água morna o lavou, vendo só então que ele era pretinho com algumas manchas amarelas.
- Ah, você é amarelinho, gatinho? Você parece um docinho.
- É, tem um pouco de nós dois. Achei que seria cinza e branco.
Asahi riu.
- Tadinho, parecia encardidinho mesmo. - Disse a observar o rostinho do gatinho. - Está quentinho, hum? - Disse e o viu erguer o rostinho e miar para si, sorriu para ele. - Então tá bom.
- Já parou de tremer pelo visto. - Kazuma sorriu e se aproximou, abaixou e tocou a orelha do pequenino. - Você é corajosinho, hum?
O pequeno se sentou no chão e olhando pra ele deu outro miadinho fraco.
- Eu sei. - Kazuma disse, como se bem o entendesse. - O que damos pra ele comer?
- Hum... Carne? Se sobrou alguma...
- Temos atum. O soldado deixou os mantimentos. Que nome dará a ele?
- Acho que pode ser. - Asahi sorriu. - Hum... Amai é ruim?
- Hum, talvez Eri? Significa abençoado, acho que pra ser um pequeno como este, no meio dessa guerra e sobreviver, precisa ser abençoado. Ou então Issa, corajoso.
Asahi sorriu.
- Eri. Gosto de Rri.
- Então Eri.
Asahi sorriu e secou o gatinho com uma pequena toalha, lá embaixo não era frio, por sorte, embora lá em cima fosse.
- Vai secar rapidinho.
- É. Eu vou conseguir a comida dele.
Dito e após afagar os cabelos do menor, Kazuma seguiu para conseguir algo de comer ao bichinho, ainda assim, atento ao rádio. Asahi a
cariciou os pelos molhados do bichinho que agora estava encolhido na toalha.
- Calma, ninguém vai te machucar. - Disse num sorriso. - Ta vendo essa barriga grandona? É a Kazumi, ou o Azuma.
- Kazumi ou Azuma, hum?
Kazuma sorriu a medida em que novamente regrediu, vendo-o segurar seu bichinho como ao bebê que em sua barriga. Asahi d
esviou o olhar a ele e sorriu.
- Ah é... Eu gosto.
- São nomes bonitos. - Kazuma sorriu a ele e deixou no chão o pequeno pote de improviso. - Havia pensando em Arashi, combina com o seu nome e tem um bom significado, mas parece que encontrou uma junção de nomes, ah?
Asahi colocou o gatinho no chão e sorriu a ele.
- Arashi?
Kazuma ainda estava abaixado e empurrou a tigela ao pequenino, entregando a ele a porção de atum, viu encontrar o pote com tanta gana, que podia ouvir cada suspiro vigoroso de sua garganta enquanto comia sem freios. Naquele momento até imaginou quantas pessoas estariam lá fora, como na última guerra em que pôde brigar.
- Hum, de flores após a tempestade.
Asahi sorriu.
- É lindo... Agora eu fiquei em dúvida.
- Saberemos quando o bebê chegar. - Kazuma sorriu-lhe de canto.
Asahi riu baixinho.
- Tá bem. Eu... Gosto mesmo.
- Hum? - Kazuma disse, diante do comentário mas afagou seus cabelos. - Veja, seu amiguinho esganado de fome.
- Gosto mesmo do nome. - Asahi sorriu. - Ah... Tadinho, será que ele quer água?
- Eu também gosto. - O moreno sorriu. - É o que temos de bom nesses anos ruins. - Disse e tocou seu ventre já volumoso. 
Asahi sorriu, e de fato, as guerras não desanimavam o próprio espírito, tinha ele, o filho, e agora um novo mascote.
- Enfim, arrume o lugarzinho dele, ah?
- Vou arrumar sim. - O loiro sorriu.

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