Yuuki e Kazuto #80


O cachecol quentinho estava sobre o pescoço de Kazuto, nevava lá fora, e fazia muito frio, para um humano talvez, para si, nem tanto, mesmo assim havia saído de casa e seguido em direção a um local, onde havia reservado uma mesa, havia pedido para um, um restaurante no fim da rua da antiga casa, de lá, da própria mesa, podia ver a pouca claridade lá fora, e os postes de luz bem espaçados, via dali também, uma rua estreita, um pequeno beco bem conhecido, assim como a lata de lixo sozinha lá dentro.
- Senhor, está esperando alguém?
- ... Iie. Eu vou comer sozinho.
- Sozinho? Mas... Fez questão dessa mesa com quase um mês de antecedência.
- É que hoje faz vinte anos desde que conheci o meu marido.
- E ele não vem?
Kazuto desviou o olhar ao garçom e negativou.
- Ele não liga pra isso. 
Murmurou num pequeno sorriso e desviou o olhar ao cardápio, escolhendo a bebida primeiro, e sentiu o celular vibrar no bolso, não recebia mensagens, então estranhou. Yuuki havia a pouco tempo recebido uma mensagem de um dos filhos, desejando boa sorte, questionando o paradeiro daquela noite, o que não respondeu, sem entendê-lo, deduzira no entanto que o garoto havia saído, visto que na mensagem, fazia crer que haviam saído juntos. Ao invés de responder a mensagem recebida, enviou uma outra, digitando o visor com uma das mãos enquanto com a outra levava o cigarro até os lábios e acendera o cilindro que queimou num odor leve de cravo. 
"Suzuya por acaso me desejou boa sorte com o paradeiro."
Kazuto uniu as sobrancelhas ao ver a mensagem do loiro e abriu um pequeno sorriso de canto.
"Não consegue sentir o meu cheiro?"
Yuuki recebeu a mensagem, e em todo aquele tempo de relacionamento, talvez fosse aquela a primeira vez em que as mensagens podiam ser sustentadas. 
"Há um limite até quando seu cheiro pode ser sentido em relação a distância e multidão."
"Bem, então vamos ver se você me encontra. Estou numa rua escura, em frente a um lugar estreito, onde os sons se perdem entre as paredes e as janelas se fecham. Um lugar onde tem marcas de sangue no chão, onde eu vi um par de olhos bonitos pela primeira vez."
"Oh, como estamos filosofando hoje." 
Yuuki retrucou como única coisa que disse, visto que era fácil dizer onde simplesmente estava, até deu uma torcida nos lábios após um trago no cigarro.
"Uma charada fácil ou um poema pequeno. Venha me encontrar."
Kazuto enviou e chamou o garçom com uma das mãos, indicando a ele que colocasse outra cadeira.
"Nenhum dos dois. Isso é só seu bom humor." 
Yuuki retrucou a ele e tinha problemas em lidar com bons humores, era um dos detalhes que mais desagradava a convivência com o irmão talvez. Vai entender, era rabugento. Entre um trago e outro, logo finalizou o cigarro num canto de calçada gelada pelo frio e chuviscos e parou em frente ao restaurante onde ele havia se acomodado, ao invés de entrar no entanto, ficou parado onde ele poderia ver, próximo da janela onde ele encarava. Kazuto aguardou alguns momentos, e sabia que ele viria logo, não fora necessário muito. Ao vê-lo, parado ao lado de fora da janela, sorriu para si mesmo, e era exatamente como naquela noite, nem um fio de cabelo nele havia mudado, estava exatamente igual. Levantou-se no entanto, mesmo com a cadeira colocada ali e seguiu para fora, porém, ao invés de correr para ele, parou na entrada, a uma boa distância dele.
- ... Boa noite. 
Disse, como se não o conhecesse, na verdade, como imaginava que faria se voltassem no tempo e nada daquilo tivesse ocorrido.
 ... Seus olhos são lindos.
Yuuki virou-se na direção em que exalava seu odor, agora numa direção diferente da anterior, tal como sua voz. 
- E você é baixinho e intrometido, como posso deduzir.
- É, eu sou. - Kazuto sorriu. - Mas não sou uma criança, já tenho vinte e dois anos. Meu sangue é doce, talvez você não goste muito dele, mas eu posso achar um mais amargo pra você, também sei cozinhar, é comida humana, mas se colocar um pouco de sangue fica gostoso. Posso colocar três gotas de sangue no seu café todos os dias, pra adoçar e deixar amargo como você gosta. Posso preparar o seu banho exatamente como a Kasumi faz, você não precisará mais dela quando eu estiver lá. Posso te dar quatro filhos lindos, que serão exatamente como você, menos uma, que vai se parecer comigo. Eu posso cortar e lixar as suas unhas toda semana enquanto você estiver dormindo, porque eu sei que é quando você não sente tanta dor, sei que elas são sensíveis. Enfim, é um prazer conhecer você. 
Falou a ele e deu mais alguns passos em sua direção, estendendo uma das mãos. Yuuki ouviu-o recitar todas as suas frases e observações, contanto uma resumida história da vida que levavam, assim como uma forma de seu bom humor, caminhou direção a ele, como ele a si, até que terminasse seu conto. 
- Está vendo só como é intrometido? 
Disse-lhe, referente a tudo o que sabia, afinal, viviam juntos.
Kazuto observou-o conforme o via se aproximar e podia sentir um arrepio na coluna, exatamente como na primeira vez em que o viu, não sabia se tinha medo ou desejo por ele, gostava daquela tênue linha sobre o que sentia, sabia que ele provavelmente iria soar grosseiro, mas queria dizer a ele de alguma forma o que sentia sem que precisasse lhe falar sobre amor. Por fim, deu-lhe um sorriso conforme o ouviu e piscou algumas vezes para afastar as lágrimas.
- Eu sou?
- Desde o primeiro dia. - Yuuki completou. - Espero que pague a conta.
O menor sorriu novamente e deslizou uma das mãos pelos cabelos dele, sentindo os fios macios, já conhecidos, mas que naquele dia, anos atrás, era tudo que queria poder fazer sem ser ferido de alguma forma.
- É claro que eu vou pagar, pode pedir o que quiser.
- Acho bom. 
Yuuki retrucou. Não era habitualmente carinhoso, nem mesmo tão facilmente persuadido aos gostos do menor, talvez até fosse contrário ao que ele queria por simples prazer, mas, não por hoje, hoje daria o prazer a ele. Caminhou até o interior do restaurante, observando a mesa pequena, denunciando seu plano solitário. Kazuto assentiu com um sorriso e ao seguir para dentro, logo viu o garçom e trocar a mesa e colocar mais uma cadeira, colocando ali os pratos e talheres, assim como a garrafa de vinho que havia pedido. Yuuki sentou-se logo após a troca de mesa, a garrafa servida, dispensou o serviçal e serviu-se por si mesmo, para si e ele. Aproveitou para pegar o pequeno vidro no bolso e pingou algumas gotas de seu conteúdo rubro na taça com vinho, tal como fez o mesmo para ele, já sentado defronte, parecendo uma criança de olhos normalmente inchados após o sono, embora soubesse que aquelas delicadas bolsas fofas sob seus nipônicos não eram de sono, e o nariz baixo que sentia vontade de puxar. Kazuto observou-o a servir o vinho para si, e havia escolhido um seco para ele, sabia que ele gostava, na verdade, sabia até o nome do favorito dele. Observou as pequenas gotas a colorir ainda mais o vinho com o tom rubro e sorriu meio de canto, fechando ainda mais os pequenos olhos.
- Oishi.
Yuuki fitou o menor em seu comentário, balançou levemente a taça, formando movimento circular com o conteúdo, homogenizando a bebida, tragou-a posteriormente. 
- Se não beber não vai saber. - Disse Yuuki em seguida, indicando a taça e fitou o cardápio. - Vou escolher o mais caro que tiver, o que acha?
Kazuto assentiu e bebeu um pequeno gole, sorrindo a ele logo em seguida.
- É gostoso sim. Ah... Pode escolher.
Yuuki chamou o rapaz, antes como atendente da mesa, sem mesmo saber qual era o produto mais caro, pediu a ele que trouxesse. 
- Vamos ter uma surpresa, do que é mais caro aqui. 
Disse a ele e virou-se ao extenso vidro, uma janela, dando vazão à vista lá fora, o mesmo local onde ele olhava. Kazuto assentiu e abriu um pequeno sorriso, não se importava, tinha dinheiro, afinal, era vampiro. Desviou o olhar ao local de mesmo modo e sorriu a ele mais uma vez.
- ... Lembro do jantar que fez pra mim ali.
Yuuki fitou-o, por ouvi-lo dizer, após um trago do vinho e deixou a taça sobre a mesa. 
- Soa como se eu houvesse cozinhado.
- Soa romântico. Você é, bem no fundo.
O riso de Yuuki soou como um sopro nasal. 
- É claro. - Retrucou, de fato achando graça.
- É sim. Você faz algumas coisas por mim. Sabe quando é meu aniversário?
- Hum, não preciso, as crianças são como calendários pra isso.
- Hum.  Kazuto sorriu meio de canto.
- São como despertadores.
O menor assentiu, observando o vinho em silêncio, e imaginava que ao menos o próprio aniversário ele fosse se lembrar.
- Não seja tão sentimental, criança. Estou vivo há alguns anos, depois de um tempo, deixei de ver os dias passarem. Entenderá daqui algum tempo. 
Yuuki disse e podia lhe servir como um consolo, era sincero. Kazuto assentiu novamente, desviando o olhar a ele.
- 27 de dezembro. 
Yuuki fitou-o e embora não dissesse evidentemente alguma coisa, ao olha-lo podia presumir que ele entendia que havia acatado seu comentário. Logo vira o pedido disposto sobre a mesa, tinha um bom cheiro embora nada de sangue, o que tratou de ajustar tal como a bebida. Kazuto observou a comida e parte dela, não sabia o que era, mas olhou curiosamente, assim como a dele, farejando o ar ao sentir o aroma do sangue em seu pequeno vidro aberto. Yuuki dispôs sobre a carne alguma quantidade do sangue, vendo-o farejar como um pequeno animal de estimação, o que ele normalmente parecia, sem precisa de muito esforço. Sendo assim, logo porcionou do peixe sobre o próprio prato. Kazuto contraiu as narinas, e abriu em seguida, sem intenção, ainda farejando delicadamente a carne do peixe, estranho, nunca tinha comido e tinha até um pouco de receio.
- O que é isso...?
- É baiacu. 
Yuuki disse e pegou com o hashi um fino filete e levou para a boca, experimentando o jantar. 
- Hum... - Kazuto disse a averiguar o peixe ainda, estranhando e farejou mais uma vez, pegando um pequeno pedaço a levar aos lábios. - ... É estranho.
- Você é o que? Um cachorro, ah? 
Yuuki indagou em sua contínua busca pelos odores, já ofuscado pelo sangue, embora de longe sentisse o cheiro do peixe, em junção do leve toque de molho de soja, levou para a boca. Kazuto riu e guiou mais um filete do peixe aos lábios.
- ... Não sei se gosto de coisas caras.
- O preço não justifica o sabor, sim a técnica. Mas é, um salmão já é suficiente e mais saboroso.
- Eu também acho... 
Kazuto disse e bebeu mais do vinho, unindo as sobrancelhas e chamou a garçonete próxima, pedindo a velha yakisoba que gostava.
- Não tinha algo mais sem graça pra você pedir? 
Yuuki disse e não deixou de torcer a cara sobre sua escolha. O menor uniu as sobrancelhas.
- Mas eu gosto.
- Vinho e yakisoba. - Yuuki disse, ainda provocando o garoto.
- ... - Kazuto abaixou a cabeça com um pequeno bico nos lábios.
- Vinho... E yakisoba.
- ... Quer que eu troque o prato?
- É você quem vai comer, fique à vontade. Yakisoba com vinho.
- Yamete...
Yuuki pegou um pouco mais do peixe, levou até a boca e mordeu com força, encarando o garoto. Kazuto uniu as sobrancelhas ao ouvir o barulho da mordida, podia até imaginar ela em alguma parte do próprio corpo, e teve que se encolher na cadeira.
- Ok, vamos pedir mais alguma coisa. Vamos deixar essa conta mais cara, ah? Já que hoje você vai pagar. 
Yuuki provocou-o novamente, brincando com ele, a própria maneira.
- Bem, julgando pelo fato que eu roubei o seu cartão antes de sair, pode pedir. - Kazuto sorriu a ele meio de canto. - Eu posso... Pagar pra você depois do meu jeito.
Yuuki até deu uma breve pausa na mastigação, fitando o garoto, e era de se esperar, deduziu. 
- Do seu jeito, como se supõe que será o seu jeito e como se supõe que vou aceita-lo?
Kazuto sorriu a ele e riu baixinho com a reação do outro.
- Bem, eu posso deixar você usar aquele vibrador esquisito que você queria e eu não deixei...
- Você deixa? Uh. - O riso soou quase nasal em Yuuki. - Kazuto, se eu quero uma coisa, eu faço. Grite você feito uma hiena ou não.
- Ah, então não queria mesmo usar ele em mim?
- Não fiz questão. Depois vamos ver o que vai acontecer com esse cartão.
Kazuto uniu as sobrancelhas, observando o vinho e permaneceu pensativo por um minuto o que diabos ele poderia fazer com o cartão desse tamanho, mas preferiu não perguntar. Yuuki virou-se a fita-lo, não deixou de sorrir diante de sua expressão. O menor desviou o olhar a ele, notando seu sorriso e quase teve uma arritmia.
- Nossa, você está sorrindo?
- Não, estou tendo um derrame.
Kazuto estreitou os olhos e desviou o olhar. Yuuki voltou a dar um torto sorriso, achando graça, o que lhe podia ser uma novidade, tinha algum senso de humor e embora ele não levasse daquele modo, parte do estranho senso era provoca-lo, causando suas estranhas caretas, mas a parte mais irresistível, era o fato de que sentia sempre vontade de apertar seu nariz achatado, e o fez, dando uma leve puxada. 
- Vamos ver se essa tomada diminui.
Kazuto desviou o olhar a ele e uniu as sobrancelhas.
- Ai! ... Poxa, quer que eu faça uma plástica?
- Vai voltar a ser a mesma coisa assim que tomar seu sangue.
- ... Então vou ter que ser feio pra sempre?
- Vai ter esse nariz achatado pra sempre. - Yuuki disse e voltou a aperta-lo e puxa-lo.
Kazuto uniu as sobrancelhas novamente.
- ... Você me acha bonito?
- Acha que eu pego qualquer coisa que se move?
- Espero que isso seja um sim.
- Sim Kazuto, você é bonito.
O menor sorriu, mostrando os dentes e sentiu até a face tomar o tom vermelho, escondendo-se atrás da pequena franja loira. Yuuki fitou o garoto, seu rubor, o que para um vampiro era bastante incomum, precisava estar agitado o bastante para tê-lo. Bem, talvez fosse o sangue recente em toda a comida. Levou mais um filé de peixe até a boca, tomou mais do vinho em seguida. 
- Nesse ângulo seu nariz fica ainda mais achatado. 
Yuuki disse, provocando, e embora tivesse o nariz realmente baixo, não o achava feio. Kazuto desviou o olhar a ele e uniu as sobrancelhas, escondendo o nariz com uma das mãos.
- Deixa eu apertar e ver se diminui.
- Iie... Isso dói, você aperta demais.
- Você que é dodói.
- Sou nada, se fosse não iria aguentar o seu "ritmo".
- Aguenta embaixo mas chora com o nariz.
Kazuto uniu as sobrancelhas ao ouvi-lo.
- ... Vamos parar de falar, que já me deu um arrepio de pensar no que eu aguento embaixo.
- O que, quer transar, é?
Kazuto desviou o olhar a ele e sorriu, mostrando as presas pequenas.
- O beco me parece atrativo.
- Você sabe que eu adoro contrariar você, não sabe?
- Bem, nesse caso eu não quero transar.
- Devia ter sido mais convincente no início. Agora vai ficar sem.
Kazuto uniu as sobrancelhas.
- Não pode ser legal só por um dia e me relembrar o barulho da lixeira batendo na parede? 
Kazuto murmurou e ergueu um dos pés, roçando-o na perna dele.
- Não gosto de ser legal, Kazuto. Quanto mais você insiste em algo, mais eu quero fazer o contrário.
Kazuto assentiu, abaixando a perna e bebeu mais um gole do vinho.
- Aliás, quer transar com a barriga cheia de yakisoba e vinho, ah?
- Eu ainda não comi a yakisoba.
- Mas vai, com vinho.
- Então melhor se apressar.
- O que, quer transar antes do seu macarrão?
- Hum. - O menor assentiu.
- Depois do jantar.
- ... Hai.

Compartilhe:

DEIXE UM COMENTÁRIO

    Blogger Comment

0 comentários:

Postar um comentário