Ritsu e Etsuo #32


O suspiro alto deixou os lábios de Etsuo, estava cansado, daquele dia já haviam passado três, e o irmão ainda não havia acordado. Estava passando pelo processo de limpeza de seu corpo, como fazia todos os dias. Havia tirado sua roupa, usando um pequeno pano úmido para limpar sua pele e retirar quaisquer resquícios de sujeira que poderiam ter sido causados pelo local, ele já estava ali já muito tempo, dez dias era muito tempo.
- Ritsu... Eu fui um idiota. 
Disse, sentando-se ao lado dele na cama e abaixou a cabeça, fitando um ponto fixo no chão, tentando não enlouquecer. 
- ... Eu achei que fazendo isso íamos ficar juntos pra sempre, que você iria ficar comigo, que eu não teria que aprender a viver sem você, que não precisaria de um humano porque eu seria suficiente. Eu fui cego, arrogante e egoísta. Não pensei que isso poderia acontecer, não pensei... 
Disse, afastando as lágrimas que insistiam em escorrer pela face. 
- Não pensei que você nunca mais veria o sol, não pensei que transformaria você num demônio como eu... Eu não pensei em nada... Eu te amo... Mas se você não vai voltar pra mim, eu vou encontrar você. 
Disse, visualizando o horário no relógio, ainda cinco da manhã, tinha uma hora. Um suspiro profundo deixou os lábios, sabia dos pais, sabia o que eles pensavam, mas não teria mais vida sem ele, nem mais sentido, não teria porque dar mais desgosto e mais trabalho para os dois, podia imaginar o olhar de nojo que receberia todos os dias que voltasse para casa, e toda vez que se olhasse no espelho. Criava imagens na própria cabeça, se morresse, seria melhor. Levantou-se, abaixando-se ao lado do irmão, e beijou seu rosto pálido e frio, despedindo-se dele e vestiu suas roupas novamente, mantendo-o do mesmo modo que havia encontrado. Devagar seguiu para fora do quarto, notando todos os detalhes que lembravam a si dele, era só uma breve lembrança, uma lembrança de um beijo roubado, de uma relação que não poderia dar certo por serem irmãos, do próprio ciúme. Seguiu para fora, passando silencioso pela porta dos pais e quando já do lado de fora, seguiu para o local mais alto que conhecia, e provavelmente receberia o sol primeiro, a própria escola. No caminho, passou pelo restaurante onde costumava comer com ele, onde costumava comprar comida para ele, passou pelos portões da escola dele, se lembrando de seu rosto feliz por sair da aula e ver a si, era um vislumbre, era só uma lembrança dolorosa, a vida não fazia mais sentido agora, tinha que fazer, viraria cinzas, se juntaria a ele, onde quer que estivesse, a única coisa que desejava desesperadamente é que não fosse para o inferno e ele para o céu, se qualquer um dos dois existisse, porque... Era um monstro, um demônio, não teria direito de conhecer um céu, embora não houvesse escolhido aquilo. Talvez, não existisse nenhum dos dois, somente um vazio, mas era o que sentia agora sem o irmão... Vazio. Para um vampiro, perder o parceiro, um akai ito, era perder completamente o sentido da vida, estaria sozinho para sempre, não importando quem estivesse ao lado de si, poderia gostar de alguém novamente, mas nada semelhante ao sentimento que havia sentido por ele, era algo completamente diferente, era como se sempre faltasse alguma coisa, era quase agoniante. Não queria aquilo, não queria ter alguém como um step, queria o irmão, que já não estava mais ali, e aparentemente, não iria mais voltar. Teve um vislumbre do sol, no horizonte, o céu estava ficando azul, tinha que se apressar.



Um suspiro deixou os lábios de Shiori, havia chego em casa já pouco tempo e adentrado o quarto do filho, notando que o outro não estava ali, bem, devia estar no banho, como sempre, mal sabia eu estava sozinho. Deslizou a mão pelos cabelos do filho menor, notando seu rosto tão pálido, e beijou-o em sua bochecha. 
- Ritsu... Escute a mamãe, você... Você tem que acordar... Ouviu? Você precisa acordar. 
Murmurou e repousou a face sobre o tórax do filho, fechando os olhos, e por um momento, rezou, mesmo sem saber como fazer aquilo, ou se Deus ouviria a si.Ritsu não sabia se algum dia já havia sentido algo pior do que aquela sensação. Não ser capaz de respirar enquanto pedia tanto por aquilo, ainda mais com ele, ainda mais quando pensava ter resolvido tudo, sentia o dolo vindo dele. Mas de algum modo, naquele instante sabia que não respirava, sabia que também não sentia vontade daquilo. Sentia-se perdido, estava confuso, estava no escuro. A pele doía e o sangue parecia congelar o corpo, sentia-se muito mal, a boca estava seca, mas não parecia fisicamente sentir, parecia sentir sem tato. Parecia precisar lutar para abrir os olhos, para não sentir mais dor. Se lembrou de voltar para casa onde quer que estivesse, sabia que em casa não sentiria mais dor, os pais sempre resolviam tudo, o irmão sempre resolvia tudo, ainda que soubesse que ele havia ferido a si, ia ficar bem. A boca seca parecia cada vez mais evidente, agora parecia machucar a garganta, embora não soubesse dizer uma parte do corpo que não estivesse doendo. Se lembrava de um cheiro tão gostoso, mas era uma lembrança vaga, também não sabia que cheiro gostoso era aquele, talvez fosse ganhar algum presente da mãe ao chegar em casa, mas naquele momento queria apenas um generoso copo d'água. Ouviu a voz do pai, já tinha consciência dele ali, mas não entendia o que ele queria dizer, estava acordado, ou talvez não de fato. Gemeu dolorido, ou pensou tê-lo feito, o sono parecia interromper qualquer reflexo do corpo, parecia não capaz de manifestar fisicamente o que pensava fazer. No peito sentiu um peso gentilmente colocado, sentiu o cheiro dele, sabia que era o pai, foi a primeira sensação física capaz de sentir até então naquele estranho sono amortecedor. Achou graça da forma como ele se deitou, não costumava fazer aquilo. Não sou o papai, mãe Pensou ter dito, mas quando abriu os olhos, a claridade parecia tão forte que voltou a fechar. 
- Mamãe... - Chamou baixo. - Estou com sede. 
Dito, percebia que a única dor que sentia naquele momento era a da garganta seca. 
Shiori sentia uma sensação estranha, algo forte no peito, sentia o cheiro dele, sentia já há algum tempo, uma sensação que não sentia antes, e por isso, estava ali, achou que pudesse falar com ela, chamá-lo para acordar e talvez ele ouvisse, embora as esperanças estivessem quase desaparecidas. Devagar se afastou dele conforme ouviu o suave ruído de algo no quarto, porém percebeu que não vinha de algo qualquer, vinha dele, eram seus lábios, tentando falar. Arregalou os olhos, observando o filho e sorriu, um sorriso que pensou ser capaz de rasgar os lábios. 
- Ritsu! Você acordou! Você... Etsuo! Etsuo seu irmão acordou! 
Disse alto, porém não ouviu o barulho do filho mais velho, então desistiu, deveria ter saído, voltaria logo. Abraçou-o, firmemente, beijando-o várias vezes no rosto. 
- Meu amor... Você... Quer água? ... Eu... Estou tão feliz, que eu nem sei expressar... Eu vou buscar água pra você... 
Disse, e nem havia percebido quando estava na cozinha e num pulo no quarto novamente, o copo de água na má trêmula, ainda não havia entendido que o que ele queria não era água.
Ritsu não quis dizer mas naquele momento queria que o pai falasse mais baixo, ele parecia falar alto demais, e por hora, achava que havia apenas acordado de um sono comum, que havia brigado com o irmão, desmaiado, por isso não entendia a euforia. Os olhos continuaram fechados, sentia uma pressão um pouco desagradável ao reabri-los, imaginava que estava passando uma descarga de estresse ou um sono muito longo. Acabou ganhando a água na boca, terminando o conteúdo, ainda assim sentia sede. 
- Mais um pouco... Acho que dormi muito.
Shiori uniu as sobrancelhas ao ouvi-lo e negativou, só então havia entendido, não era água que ele queria. Voltou a cozinha e pegou uma bolsa de sangue, a melhor que tinha e voltou ao quarto com a um canudinho que levou aos lábios dele. 
- Beba, vai estranhar um pouco no início, mas vai gostar.
Os passos dele pareciam acelerados, Ritsu podia ouvir desde sua saída até os gestos na cozinha. Ao voltar ele trazia consigo aquele mesmo cheiro que havia sentido um tempo antes, embora o outro tivesse um aroma muito mais agradável, sabia que era a mesma coisa. 
- Ah... Eu senti o cheiro enquanto dormia. Sonhei que tinha que voltar pra casa, porque mamãe estava fazendo algo gostoso pra mim. 
Disse e esperou comer alguma coisa, mas bebeu pelo canudo, sentindo como a água, matando a sede, tirando a dor da garganta. Shiori sorriu a ele, deslizando a mão por seus cabelos e beijou-o em sua testa. 
- Você está em casa meu amor, está em casa. Está tudo bem agora. Beba, tem muito mais de onde esse veio, só pra você.
Ritsu ouviu a voz do pai, falava bem, mas parecia um pouco melancólico ou eufórico, parecia estranho. Abriu os olhos, percebeu que já não doíam, embora a luz parecesse forte.
- Mamãe está bem? - Se voltou para ele, no entanto encontrou também em sua mão uma embalagem, era vermelho, o canudo também. Era o que estava bebendo, era sangue, só então deduziu. - Eu... Morri?
Shiori suspirou, novamente chorava e acariciava os cabelos do filho.
- ... Você ficou dez dias desacordado, meu amor...
- O... - Ritsu murmurou, mordeu o lábio, fez silêncio, não sabia nada do que pensar. - Eu voltei, não precisa chorar.  - Disse, embora estivesse um tanto aflito, pensou no irmão.
- Você não sabe o que... O que nós passamos até você voltar pra gente... - Shiori murmurou, acaricia do seu rosto, acendendo a luminária ao lado da cama e fitou seus olhos, não eram olhos amarelos comuns de um vampiro, eram manchados, um amarelo mesclado a seus antigos olhos verdes. - Ritsu... São os olhos mais bonitos que eu já vi.
Ritsu franziu o cenho, ainda se incomodava com a claridade, embora a "água" tivesse aliviado a ação do tempo desacordado. De olhos franzidos fitou o pai, parecia como uma criança, se esticou e o abraçou. Não se ateve à curiosidade, porque algo além estava na cabeça. - Etsuo quis me matar.



A respiração não existia mais, não precisava dela, assim como os passos longos levavam a si até o topo da escola. Fitava pessoas pelo caminho, até mesmo o parque onde passeava com ele, o local onde sua caixa esteve antes, tudo agora era vazio, cada passo que dava no chão era vazio, até que a sensação preencheu a si, como uma luz iluminando o corpo.  Era uma sensação vívida, forte, como se algo tivesse renascido dentro de si e estremeceu, o rosto permaneceu até mesmo congelado conforme cessou os passos abruptamente. Sabia o que era. E era algo que havia puxado a si para longe do telhado, para longe da luz do sol.

- ... Ritsu! 
Virou-se, batendo em várias pessoas conforme teve que correr contra a corrente e tentava de alguma forma chegar até a própria casa, quase não acreditava, e esperava não estar errado, esperava estar certo, esperava encontra-lo, naquele momento não se atreve nem ao fato de que estaria com raiva de si. Subiu as escadas quase num sopro, preferindo ignorar o elevador e quando deu por si, já estava dentro de casa, atravessando as portas até que chegasse ao quarto, aquela sensação só se intensificava, só apertava o coração, a esperança de vê-lo de novo e ao entrar, fitou ele e a mãe na cama, fitou seus olhos vermelhos, manchados de amarelo e verde, era lindo, estava lindo, seus lábios, sua cor pálida, estava vivo, não podia acreditar.
- Ritsu.... Ritsu você... 
Aproximou-se rapidamente, e viu a mãe se levantar, afastando-se da cama conforme deu espaço para si, que já chorava conforme havia se ajoelhado ao lado do irmão, e o havia pego nos braços, abraçando-o tão forte que quando humano, poderia quebrar todos os seus ossos. 
Ritsu fora invadido por uma sensação forte e súbita, era voraz, e se tivesse as mesmas sensações humanas, imaginava que seria como uma palpitação, uma arritmia. 
- Mamãe...
Murmurou confuso, mas ouviu cada pisada forte na casa, sabia que era o moreno e por um instante, apertou o pai no abraço, como se não quisesse ficar sozinho com o irmão agora, estava um pouco aflito, mas ao vê-lo, o pai havia saído, dado passe a ele, não entendeu a razão, porque ele parecia saber o que acontecia consigo e o irmão. Enquanto sentia seu abraço, se perguntava porque ele estava agindo daquele modo. Na própria cabeça, não tinham mais uma relação, não é? Havia tido tanta raiva a ponto de tirar a própria vida.
Shiori não se afastou, permaneceu parado lado a cama, observando a ambos e segurava a mão de Ritsu, indicando a ele que não havia se afastado dele e se quisesse privacidade, falaria com o meu velho. Quanto a Etsuo, permaneceu a abraçá-lo, beijando-o várias vezes no rosto, e estava tão feliz, tão feliz porque ele estava vivo, que nem sabia como agir, os soluços tiravam parte da própria fala.
- ... Que bom que você acordou... Eu... Não aguentava mais esperar... Onii-chan, eu... Eu te amo tanto. 
Shiori uniu as sobrancelhas conforme observava a ambos, já chorava junto do filho mais velho, estava feliz, emocionado com o fato de que ele havia acordado, ao mesmo tempo, sentia o desconforto do menor, e se sentia um pouco triste por saber que o mais velho iria se magoar em poucos minutos, quando percebesse que o menor talvez não quisesse aquele toque.
- Amor? - Ritsu indagou, após os longos minutos a que ficou silencioso, sentindo o misto de emoções do pai, dele, de si mesmo. - Você me matou. Você fez isso enquanto eu sim, te dava amor.
- ... Ritsu, quer que eu saia?
- Não, não sei. 
Disse, não sabia de fato. Ritsu olhou o moreno, parecia uma criança, parecia com a mãe naquele momento. Olhou para um depois ao outro.
- ... Estarei lá fora, se precisar de mim, pode me chamar. 
Shiori disse ao menor e acariciou seus cabelos, saindo do quarto a buscar o telefone no quarto, ligaria para Kaname. 
- ... Ritsu... Me perdoe. Eu não sei o que eu tinha na cabeça, você... Você disse que queria me deixar, e eu... Eu queria que ficasse pra sempre comigo.
- Mamãe... 
Ritsu disse em sua saída, mas podia ouvir o que ele fazia, estava digitando no aparelho telefônico, estava com certos sentidos apurados, difíceis de lidar. Tal como ele, era difícil de lidar com ele, ele era impulsivo, tinha feito uma coisa egoísta, havia desfalecido com medo em cima de seu corpo, havia pedido o ar que ele não deu a si. Mas ao mesmo tempo, agora levava a maldita consciência de suas sensações e podia sentir o peito aflito do irmão, podia sentir as sensações que ele costumava declarar, agora sentia sem que ele precisasse dizer, então não sabia a quem deveria respeitar, a si ou a ele. Mas nada disse a ele, o olhou como podia, mas não disse nada mais. 
Etsuo abaixou a cabeça, sem saber o que dizer, sem saber como pedir perdão a ele, e os olhos lacrimejavam, sentia as lágrimas que escorriam pelo rosto. 
- Eu não saí daqui... Durante esses dez dias. Eu limpei o seu corpo enquanto você dormia, me deitava e voltava a te abraçar, esperando que você acordasse e pudesse me desculpar por essa idiotice que eu fiz a você. Na verdade... Você não precisa nem me perdoar, se quiser, eu vou embora, eu não sei pra onde, posso pegar minhas coisas e sair agora mesmo se você quiser, você nunca mais vai me ver, eu só queria saber que você estava bem, que estava vivo de novo. - Murmurou. - Eu não estava aqui porque eu achei que não iria mais acordar, e eu não poderia aguentar ficar vivo sem você comigo... Não poderia aguentar a culpa por ter matado você... Quando você desmaiou, eu só então percebi o que eu havia feito, mas já havia sugado todo o seu sangue, eu passei do meu pra você, tentei te fazer acordar, eu... Achei que eu era forte o suficiente, e que fazer você ser um vampiro ia fazer com que você fosse pra sempre meu... Mas você não é meu, não é? Não importa o que eu faça, o quanto eu queira que você me ame... Não posso obrigá-lo a isso.
Ritsu se virou para ouvir o que ele dizia, ouviu cada detalhe daquele tipo de declaração. Aborrecido na verdade acabava mentalmente retrucando o que ele dizia. 
- Não pôde pensar nisso antes de tudo? Você é impulsivo e acaba sendo egoísta, porque mesmo agora você só quer pensar no que acha que está certo, mas não pensou na mamãe ou no papai se eu o mandasse ir embora agora. E agora, o que vai fazer se tiver ciúme?
Etsuo uniu as sobrancelhas, desviando o olhar a ele. 
- ... Eu não... Eu não sei.
- Não foram seus dentes o que me causara dor, ou o fato de não respirar enquanto tentava. Foi desfalecer achando que estava me traindo.
- Eu nunca faria mal a você.
- Você fez.
- Eu dei o meu sangue a você.
- E isso significa o que?
- ... Eu queria te tornar imortal, não te matar.
Ritsu pensou em diversas frases que perderam a continuidade e não foram faladas. Por alguma razão não sentia vontade de debater aquilo ainda que estivesse pensando em falar várias. Olhou para ele, estava de alguma forma um pouco diferente. Puta que pariu, sentia com mais força que queria toca-lo, ainda mais com aquela expressão lamentável. Não fez nada porém. 
- Quero água, mamãe...
Do lado de fora, Etsuo pôde ouvir a mãe seguir em passos rápidos até a cozinha, saindo de seu posto em vigia, quanto a si, limpou os olhos, desviando o olhar a ele, e estava realmente lindo. 
- ... Não há ninguém mais bonito do que você no mundo, Ritsu... Me perdoe pelo que eu fiz. Eu vou embora...
Aquela altura mesmo os cabelos de Ritsu quase pareciam mais pálidos, talvez a falta dos nutrientes que compunham os fios? A pele, não era novidade, estava tão clara quanto a dele, e podia ver pelos braços. Os lábios talvez estivessem com um vermelho mais frio, não era rosado. Os olhos que antes na ambígua cor verde-amarelado ou amarelo-esverdeado? Tinha tons de vermelho como um véu esvoaçante, no canto superior da íris esquerda porém, a metade dele agora tinha um tom dourado como o dele, resultado do corpo que não sabia, mas praticamente havia renascido, chegava perto de morrer, mas não pensaria naquela possibilidade, um calafrio ganharia. 
- Onde vai? - Indagou, quase um reflexo.
- ... Se é seu desejo, vou onde não poderá mais me ver.
Ritsu não disse nada a ele, não sabia se era melhor ele sair, se era melhor ficar sozinho. Não havia dito nada porém, não havia mandado ir embora. Olhou para o pai, sabia que aquela cor era o que veria no copo daqui pra frente e não conseguia sequer sentir repulsa. Etsuo desviou o olhar a mãe, silencioso, se sentia fraco pela primeira vez na vida. Assistiu o pai entregar o copo de sangue a ele, sabia que o irmão teria que beber para se alimentar, sabia que havia feito aquilo a ele e se culpava só por estar acordado. Levantou-se, sem querer discutir com ele ou com os pais e saiu do quarto dele, sairia de casa.
Ritsu ergueu a mão e aceitou o copo, sentindo-se ansioso ao vê-lo, se perguntava por quanto tempo teria aquela sede. Porém, como ao copo, esticou-se e segurou sua camiseta antes que pudesse se afastar demais. Não queria falar com ele, mas não queria que saísse. Etsuo cessou os passos ao senti-lo segurar a própria camisa e uniu as sobrancelhas, permanecendo parado, e silencioso.
- Ritsu, vou encontrar seu pai, se você se sentir melhor, ele precisa ver você, ficará muito feliz.
- Ele vem pra casa, não vem? Onde você vai? 
Ritsu indagou ao pai, mas continuou segurando o irmão.
- Até o hospital, quer que eu fique aqui?
- Iie, pode ir. 
Disse ao pai e puxou de leve o irmão por sua camiseta, para que se sentasse.
- ... Comporte-se Etsuo. 
Shiori disse, embora soubesse não ser necessário e saiu, seguindo mesmo a pé ao consultório. Etsuo sentou-se na cama como o irmão queria e silencioso manteve-se, abaixando a cabeça. 
- ...
- Aonde você vai? 
Ritsu perguntou após solta-lo. Segurou então o copo com as duas mãos. Fechou os olhos para beber aquilo.
- Não sei. Não sei o que eu vou fazer se não me quiser mais. 
Disse e não queria que ele escolhesse estar consigo por obrigação, mas sabia, bem no fundo do peito, que ele era o próprio parceiro, o havia escolhido, e quando um vampiro escolhia seu parceiro, sem ele, só poderia esperar uma vida infeliz. Ritsu deixou o copo vazio do lado, era como água, era como uma vitamina mais fluida mas que matava a sede. Virou-se para ele, na verdade voltou a direção visual para o moreno, antes de tudo se sentou na cama, descobrindo se todo aquele tempo havia atrofiado o corpo, mas não sentiu nada além de um breve desconforto no braço, que estava escuro. 
- Meu braço...
Etsuo desviou o olhar a ele e arqueou uma das sobrancelhas, aproximando-se e fitou seu braço escuro, massageou o local e uniu as sobrancelhas.
- ... O que é isso? - Murmurou, apertando seu braço, suavemente. - Dói aqui?
Ritsu desvencilhou por um instante, tocando o braço. Negou, tocando as marcas escuras que pareciam na pele. 
- Está um pouco dormente.
- ... - Etsuo massageou o braço dele, abaixando-se e beijou-o ali. - Vai passar... Já vai passar. Quando você... Estava morto, essa parte... Começou a ficar escura, papai achou que estava apodrecendo.
- Hum... 
Ritsu murmurou, um pouco desconfortável ao pensar sobre aquilo, por um momento será que não iria voltar? Pensou. 
- Não se preocupe, o sangue vai curar... Eu... Sonhei com você todos os dias. Sonhei que falava o meu nome, que tocava o meu rosto, o meu corpo, sonhei que tinha asas brancas...
Ritsu o ouviu dizer, se perguntou se foi uma tentativa indireta de pedir que o tocasse. Se lembrou de que estava morto e que tudo o que já haviam falado sobre se tornar um vampiro, agora não era mais um plano. Deslizando a língua cuidadosamente pelos dentes sentiu a mudança que eles haviam ganhado, eram maiores do que pensava, mas de algum modo não incomodavam. Etsuo desviou o olhar a ele, não havia qualquer felicidade em si, se não o fato de saber que ele estava vivo.
- ... Pode... Dizer o meu nome?
- Etsuo. - Ritsu disse, diretamente com o pedido.
O maior assentiu, sentindo um sutil arrepio pelo corpo, assim sabia que ele estava vivo, que também estava vivo, há alguns minutos, achou que estaria morto naquele horário. Ritsu se moveu, se moveu mais rápido do que podia imaginar que faria, havia tomado seus ombros e os levado para a cama de modo que o deitou nela. O observou de cima como estava. Etsuo deixou-se ser pego pelo irmão, que parecia rápido, tanto quanto a si, era forte agora, sabia que bem menos do que a si, quer dizer, era isso que achava. Observou-o, unindo as sobrancelhas. 
- ... Pode me bater se quiser, me secar, faça o que quiser.
Ritsu curvou-se, dispensando o que dizia. Se aproximou dele, devagar, podia sentir seu cheiro tão vívido, era assim que ele sentia o próprio cheiro? Pensou. Tinha cheiro de sabonete e provavelmente de sangue. Iria morde-lo, iria morder bem como ele fizera consigo, mas a medida em que se aproximou, não sentiu segurança, dispensou-o logo, soltando o irmão. Não tinha costume além de uma ou duas horas. Etsuo uniu as sobrancelhas e segurou-o pelo pulso, observando-o. 
- Morda.
- Não quero. 
Ritsu disse e desvencilhou de seu toque. Ao se sentar na cama aos poucos murchou para dentro do cobertor. 
- Morda, Ritsu, você vai poder me sentir melhor. Morda, desconte a raiva.
- Não vou, não quero ter mais das suas sensações. Não vou te morder, porque não vai ser a mesma coisa, isso é o que você quer.
Etsuo uniu as sobrancelhas. 
- Não vai me morder? Não me quer mais como parceiro? Todo o sangue que tem no seu corpo não é meu, é de um vampiro de mais de quatrocentos anos.
- Por quê? Por que você está agindo como se fosse tão pequeno? 
Ritsu indagou, um pouco incomodado pela forma como o irmão parecia diminuto, não fisicamente. A frustração lhe era evidente ao falar. Ao pega-lo desta vez, segurou seu pescoço mas não estava apertando. Embora parecesse muito certo daquilo, na verdade mordiscou a própria língua para se sentir capaz, descobrir se era. Mirou exatamente onde sentira dor antes de partir e chegou perto dele, foi onde o mordeu sem segurança alguma, mas mordeu, empurrando os dentes para romper sua pele, que pareciam fazer com facilidade. Etsuo negativou, não sabia dizer, mas provavelmente era porque estava triste, então agia como qualquer cachorro faria, submisso completamente as vontades do que o dono quisesse fazer com ele, como ele quisesse castigar a si, estava pronto, esperou por dez dias. Observou-o segurar a si pelo pescoço, nem piscou, somente quando sentiu suas presas afiadas romperem a pele foi que fechou os olhos, deixando escapar o gemido mais alto, dolorido, sentindo o sangue fluir das próprias veias para a boca dele é lembrou-se de todas as vezes que havia feito aquilo com ele, agora sabia como doía.
- Ah...
Ritsu ouviu a voz dele soar com altura, sua voz grave parecia um pouco frágil, sabia naquele momento qual era a sensação dele e foi por isso mesmo que não ficou muito tempo. Destacou-se de sua pele como um beijo, havia sentido seu gosto, não matava a fome, mas causava uma estranha sensação de que precisava de mais, era um gosto tão bom, que sabia exatamente porque, era o gosto dele. Ao se afastar observou seu rosto, era sempre tão viril mas parecia tão entregue, parecia gostar daquilo e se perguntou a razão, como alguém poderia querer aquilo? Descobriu naquele dia, como morreu, como acordou, como se alimentava e como era escolher alguém para amar, embora mesmo antes daquilo, já sabia que o escolhera. 
Etsuo abriu os olhos aos poucos conforme sentiu o irmão se afastar de si, via seus lábios sujos de sangue, ele era tão bonito, estava ainda mais como vampiro. Sorriu, e mesmo o sorriso era um sorriso frágil, um sorriso de canto, enquanto sentia o sangue escorrer para os lençóis, dos furos feitos por ele no próprio pescoço, aquilo era um sinal de que não se alimentava direito a alguns dias, claro, aquilo e a magreza do corpo, que embora fosse visível, não era excessiva, haviam sido só dez dias. Observou os olhos acesos dele, bonitos e uma das mãos deslizou em seu rosto, sentindo sua pele ainda morna, ele levaria um tempo até se transformar realmente. Estiveram frio enquanto deitado, mas ao se mover, voltava a ser quente. 
- ... Pode beber de mim quando quiser.
Por um momento, Ritsu desviou o olhar, se perguntava se ele não havia sentido o que sentia agora ao olhar para ele. Pegou no móvel o copo cuja sede havia matado um pouco antes e esticou para ele, não disse nada, mas esperava que terminasse o restante do conteúdo.
Agora, Etsuo podia senti-lo, claro como qualquer sentimento próprio, sabia que ele sentia algo bom, algo agradável, não era tudo raiva, não era ódio, era algo que sabia que também sentia por ele, e isso causou as lágrimas em si novamente, podia senti-las escorrendo pelo rosto e desviou o olhar ao copo, sabia o que ele queria dizer, e queria obedecer, mas ao mesmo tempo, estava naquele estranho método de punição própria. Por hora, beberia. Aceitou o copo e guiou aos lábios, bebendo os curtos goles da bebida, que fez a ferida parar de sangrar ao menos. Estranho para Ritsu era ver alguém a quem amava, num estado tão débil. Sabia que ele era forte, mas a melancolia ou mesmo sentimentos aversivos tomavam contra facilmente do irmão, se perguntava se secretamente algum dos pais era daquele modo. Ao se deitar, limpou a boca com o dorso, sem dizer nada porém, de lado, esticou o braço e cedeu um pequeno espaço para ele.
Ao deixar o copo sobre a cômoda, devagar, Etsuo se acomodou junto a ele, conhecia aquele local, esteve deitado ali por dez incansáveis dias, mas dessa vez, tinha espaço em meio a seus braços e estava tão feliz por poder abraça-lo de novo que não sabia expor. Aspirou bem o cheiro do irmão, deitando-se em seu tórax e permaneceu silencioso, totalmente diferente ao que costumava ser. Ritsu puxou consigo o cobertor, embora não houvesse descoberto ainda que não precisaria mais dele como um meio de aquecimento senão por simples conforto. O deixou repousar, se cobriu e o cobriu consigo, agradeceu pelo silêncio. 



Ao chegar no consultório, Shiori passou pelas enfermeiras quase num sopro, seguindo diretamente para a sala dele. Ao entrar, abraçou-o firmemente e beijou-o no rosto várias vezes. 
- Ele acordou, Kaname! Ele acordou! Taa, obrigado!
Disse, voltando-se ao outro que também estava na sala.
Kaname levantou-se na proximidade de sua chegada, sabia que ele havia acordado, havia sentido o filho, mesmo que sua energia estivesse um pouco diferente do habitual. Vou o menor entrar e sorriu para ele, recebendo seu abraço que foi quase uma colisão. Ergueu leve e sem dificuldade do chão. Pelo ombro do garoto observou o rapaz que se vestia. 
- Obrigado. - Sussurrou, quase apenas gesticulando. - Eu ia até vocês...
- Eu sei, mas eu não consegui esperar... Etsuo está falando com ele... - Shiori sorriu. - Taa, eu vou te enviar as bolsas de sangue pro Ikuma, quantas você quer? 
Taa sorriu. 
- Shiori, não precisa de pagamento, o Ikuma fez por boa vontade, não esperando algo. 
- Não me importo, eu vou enviar pra vocês.
- Vai, é? - Kaname disse, fitando o menor que tomou voz ativa. O deixou no chão enfim, sendo capaz de se virar desse modo para falar com o outro médico. - Ele quer as bolsas de halloween. Vocês são em quantos em casa mesmo? Seis. Sete com a menina humana?
- Se contar com a Sayu oito. Mas ela não bebe sangue. - Taa sorriu. - Que bom que seu menino acordou. 
- Eu faço algo pra ela. Eu... Nem sei como agradecer, por favor, agradeça o Ikuma.
- Venha nos visitar novamente, poderá conhecer o Ritsu. - Kaname disse ao colega de trabalho.
- Eu vou sim. - Taa sorriu. - Marcamos pra jantar ou beber alguma coisa, pode ser? Estou aprendendo a cozinhar, podem vir a nossa casa.
- Nós que os receberemos. Faremos alguma coisa. Podemos beber e jantar depois. 
Kaname disse e não tinha ideia que estava afagando a nuca do menor.
- Tudo bem. Nos vemos depois então, vá pra casa ver o seu menino. - Taa sorriu.
- Vem Kaname. 
Disse o menor, erguendo-se para lhe selar os lábios.
- Hum. - Kaname assentiu ao menor. - Você pode ir também. Eu volto mais tarde.
- Tudo bem. 
Taa sorriu e pegou as próprias coisas, arrumando-se para sair quando viu os dois deixarem a sala. Ao sair com ele, quando já estavam na porta, Shiori virou-se para o maior. 
- Ele tem seis filhos?
- Hum. Fiz alguns dos partos dele.
- Nossa... Seis é muita coisa...
- Se pensar na idade do Ikuma, não deve ser muito pra ele. - Kaname disse e abriu a porta do carro a ele. - Como ele está?
- Ah, mas... Ele está com o Taa há vinte anos... É quase a gente... - Shiori uniu as sobrancelhas. - Ele está bem, acordou com muita fome, bebeu dois copos de sangue. Está só meio chateado.
- Chateado? Por quê? - Kaname indagou, um pouco avulso de certos fatos.
- ... - Shiori uniu as sobrancelhas percebendo o que havia dito. - Acho que só porque perdeu o aniversário.
- Nós vamos comprar o bolo ou talvez agora você possa fazer o bolo dele. 
Kaname sorriu, canteiro. Se perguntava se a junção de suas sobrancelhas não fosse pelo assunto anterior, se havia ganhado um indireta por um filho. 
- Ah, hai, O negativo?
- Se ele gostar desse. Qual ele gostou? 
Kaname indagou e só então entrou no carro, dirigiria para casa, mas não iria rápido, sabia que os filhos ainda queriam conversar.
- Bem... O do Etsuo provavelmente. - Shiori riu.
- Do Etsuo? - Kaname sorriu meio de canto. - Mas vai fazer bolo com o sangue dele?
Shiori riu. 
- Não, vou fazer o O mesmo, sabe que é o melhor.
Kaname assentou com a cabeça e se voltou ao garoto, de soslaio. 
- Ele já mordeu o Etsuo.
- ... Eu sei. - Sorriu meio de canto. - Eu sinto.
- Eles são muito apressados em tudo.
Shiori sorriu. 
- Tudo bem, estão se entendendo.
- Hum, depois de toda greve do Etsuo.
- Pois é.
- Você está feliz?
- É claro. Você pode imaginar o que aconteceria se isso não desse certo? E quase... Quase não deu. - Kaname disse e tocou o menor em sua perna.
Shiori suspirou e segurou a mão dele, entrelaçando os dedos aos do outro. 
- Está tudo bem agora, ele está bem. - Disse num sorriso, e pensava que nunca o havia visto ser tão sentimental consigo, gostava daquele lado dele. - ... Sabe, você nunca me contou quem você era antes de nos conhecermos, o que fazia...
- Você sabe, médico. Estudei e morei no campus durante esse tempo.
- Ah, mas... Morava sozinho? Não teve nenhuma namorada, ou... Namorado?
- Namorada. - Kaname disse, achando graça da pergunta final. - Mas terminamos o relacionamento algum tempo antes de eu encontrar você. Ela queria casar e ter filhos, eu não queria isso, irônico, não acha? - Sorriu-lhe de canto.
Shiori desviou o olhar a ele, e estava um pouco ciumento, mas assentiu, abrindo um pequeno sorriso.
- Não fique enciumado. - Disse, percebendo sua sutileza.
Shiori assentiu e desviou o olhar para a janela.

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