Ritsu e Etsuo #34


Um suspiro deixou os lábios de Etsuo, sabia que já havia transado com o irmão, mas mesmo assim, as coisas ainda pareciam um pouco complicadas, os dias ainda eram cinzas para si, ainda sentia uma dor no peito ao lembrar o que havia feito, e não conseguia comer, tinha vontade de beber sangue, mas não tinha forças para engolir. Sentado no balcão, observava o mármore em silêncio, até abaixar a cabeça e encostar a testa sobre ele.
- ...
Ritsu havia se levantado há algum tempo, naquele período quase não havia saído, na verdade não havia mesmo e naquele dia resolveu tentar. Passeou pelos arredores, descobrindo se a noite seria diferente e parecia mesmo, tinha vários cheiros mais acentuados, teria percebido como humano, mas naquela nova forma, eram muito mais fortes. Algumas pessoas agora arrancavam a atenção, pessoas que em algum outro momento provavelmente teriam passado despercebidas, seus cheiros eram muito mais que suas belezas. Mas sabia que ninguém seria tão bonito ou tão "cheiroso" quanto o irmão. Por um momento o imaginou ao lado, provavelmente falaria empolgado como era, feliz por ensinar coisas mesmo óbvias para si, foi assim que decidiu voltar para casa e deixar para descobrir essas coisas com aquele bobo professor. Se lembrou porém que não andava comendo, assim resolveu levar o macarrão que ele gostava de comer e só então chegou em casa, observando sua inércia estranha sobre o balcão. 
- Hum?
Etsuo manteve-se ali, não íris acordar de todo modo, havia perdido as forças, teria que ser alimentado para voltar, ele provavelmente não saberia disso. Os músculos do corpo estavam tensionados, esse era o motivo por não ter caído da cadeira, estava como uma rocha, porém desacordado. Ritsu caminhou até o balcão, não teve rastros de seu interesse, ele teria feito algum ruído, ainda assim não desistiu de chama-lo. 
- Etsuo. - Tocou seu ombro, sentindo-o tenso. - Etsu... Eu trouxe seu macarrão. 
Segurou seu cabelo e ergueu seu rosto uma vez que não obteve resposta ao chama-lo.
Nem um suspiro era audível em Etsuo, nem havia aberto os olhos, embora as pálpebras estivessem trêmulas, como se tivesse um sonho incômodo, os punhos estavam cerrados. Ritsu franziu o cenho, desconfortável com o aspecto do irmão. Deu-lhe um tapa no rosto, buscando saber se apenas dormia de fato. 
- Etsuo.
Nada, o moreno não se moveu, mesmo com o tapa recebido do irmão. Ritsu franziu o cenho, não unindo as sobrancelhas, mas pensativo, um pouco aflito. Não tinha certeza se conseguia pegar o irmão no colo, não tinha consciência daqueles aspectos ainda. Não era um humano, não tinha como ajudá-lo. Ele parecia firme como alguém com ataque epiléptico embora não estivesse com espasmos. 
- Sangue... 
Disse numa reflexão para si mesmo e buscou o que pudesse dar a ele, a questão era como fazer engolir. Ao voltar até ele, pegou a bolsinha de várias que os pais armazenavam, o fez sentir o cheiro ao chegar perto dele, como o álcool seria para um humano. Etsuo uniu as sobrancelhas ao sentir o cheiro do sangue e devagar, abriu os olhos a observar o irmão em frente, a coloração que geralmente estaria tão vívida dos próprios olhos, agora, parecia um amarelo morto. Ritsu observou o moreno e o cheiro parecia predominantemente a seu estado débil, felizmente. 
- Beba isso, nii-chan.
Etsuo assentiu a ele conforme pegou a bolsa de sangue e guiou-a aos lábios, bebendo alguns goles da bebida, e embora soubesse que estava naquele estado, com consciência disso, não era afobado para melhorar. 
- Ritsu...
- Beba tudo. - Ritsu disse em sua interrupção para falar, voltando a por a quantidade do sangue em sua boca. - Tome tudo.
Etsuo assentiu e bebeu mais alguns goles do sangue, até sentir que havia finalizado a bolsa e os olhos novamente estavam em seu tom normal. Ritsu tocou seu ombro, buscando sentir se tinha novamente sua suavidade conforme deslizou pelo braço. O moreno suspirou, sentindo o corpo novamente amolecer sobre a mão do irmão. Quando enfim constou que estava bem, o loiro buscou qualquer cantinho de seu quadril onde não estivesse acomodado na cadeira e lhe deu um tapa quase na bunda. 
- Palhaço.
- Ai! - Etsuo riu. - O que foi que eu fiz?
Ritsu deu-lhe outro tapa. 
- Virou uma pedra na mesa.
- Ah... Foi um acidente.
- Não é um acidente, você está sendo imaturo negligenciado as necessidades do seu corpo.
Ritsu disse e mesmo aborrecido pegou a caixinha de sua comida chinesa, nela mesma despejou o conteúdo inteiro de uma daquelas bolsinhas dos pais e misturou ao alimento, mexeu com os hashis e pegou uma quantidade para levar até sua boca. Etsuo observou-o enquanto misturava o macarrão ao sangue e sorriu, como um bobo a observá-lo. 
- Desculpe.
Dito, aceitou a comida, como um cãozinho obediente. Ritsu serviu-o à boca, e deu um tempo porém para que ele mastigasse. Havia o visto sorrir mesmo de soslaio. 
- E se você morresse?
- Eu não morro e talvez eu devesse, pelo que fiz a você.
- E valeria a pena ter feito o que fez se for pra morrer?
Etsuo negativou, unindo as sobrancelhas. 
- Ritsu... Por favor... Eu não sei se você ainda esta chateado comigo ou se já me perdoou, mas eu não vou conseguir ficar em paz enquanto você não me castigar de alguma forma, eu não ligo como, só faça isso.
- E saber que me chateou já não pune você?
- Sim, o problema é que eu mesmo fico tentando me punir... E eu vou acabar me matando.
- Cale a boca, seu egoísta de merda. 
Ritsu disse e como ele mesmo sabia, pouco falava daquele modo, pouco falava palavrões, mas não queria mais aquilo, estava com os nervos um tanto aflorados, fosse pela situação ou pelo comportamento dele, já haviam alguns dias desde que acordou e ele continuava lamentável. 
- Acabou de concordar ao dizer que não teria valido a pena, agora diz que vai acabar se matando. Me deixaria aqui por seu egoísmo duplo, tanto por me fazer viver para sempre, quanto por me fazer viver para sempre sem você. Coma!
Etsuo uniu as sobrancelhas ao ouvi-lo, sentindo as lágrimas presas aos olhos e assentiu, abaixando a cabeça a observar o pequeno pote de comida e levou pouco do macarrão aos lábios. Ritsu franziu o cenho, diferente dele, não por unir as sobrancelhas mas por tensiona-las, causando rugas temporárias entre elas, segurou sua mão antes que comesse. 
- Não estou magoado com você, não por ter adiantado algo que já ia acontecer, mas por estar tão frágil, porque eu sei que você não está sendo você. Sinto saudade...
Etsuo desviou o olhar ao irmão, sentindo uma das lágrimas que escapou dos olhos a escorrer pela face e ainda unia as sobrancelhas.
- ... Me desculpe. Eu serei melhor.
- Só precisa ser como sempre foi. - Ritsu disse e tocou sua bochecha, secando sua pele. - Quero você mesmo neurótico, mesmo reclamando e quero que coma minha comida humana.
Etsuo assentiu e uniu ainda mais as sobrancelhas, sentia as lágrimas que saíam dos olhos rápido demais, desde que ele havia acordado, não havia ainda todo aquele tipo de reação, que extravasava os sentimentos que sentia, que tirava a tristeza do peito, a culpa. Estava chorando e o havia abraçado, firme contra o próprio corpo, soluçava e talvez o irmão nunca tivesse visto a si daquele modo. 
- ... Eu sinto muito, eu não queria te machucar, eu... Achei que você iria acordar rápido, que iria ficar tudo bem. Eu sinto muito... Eu sinto muito.
Desajeitado Ritsu seguiu para ele conforme puxado com seu abraço. No início os braços eram presos mas pôde desvencilhar deles com a facilidade que não sabia ter. Passou os braços em torno de seu pescoço e o acomodou no ombro. De alguma forma o achava um exagerado e sentia que ainda devia se emputecer, sentir a sensação de estar prestes a morrer era horrível, e se refletisse muito, ainda podia se lembrar como era não respirar enquanto tentava, porém, queria estar com ele e queria lidar com sua personalidade mimada. 
- Tudo bem, eu estou aqui agora, não é?
O moreno abraçou-o, firme, era firme mesmo, não como o segurava antes quando era humano, mas estava trêmulo, sentia as mãos tremerem, os braços, não tinha força em nada, sentia que a qualquer momento poderia cair no chão, e teve que encontrar forças em si para se manter sentado ali, o amava tanto, que não cabia no peito, machucava pensar que havia causado dor a ele, e saber que fora tão mimado a ponto de tirar sua vida. Se sentia doente, sentia-se como se algo estivesse errado, como se não pudesse ser assim, como se precisasse de um tratamento, sentia a própria mente doente, e de alguma forma, amenizava saber que ele sentia falta de si, mesmo mimado como era antes, mas sabia que agora, nunca o machucaria de novo, por mais forte ou fraco que ele fosse do que a si. 
- ... Eu te amo tanto... Eu... Te amo tanto. 
Murmurou, mais para si mesmo do que a ele e fechou os olhos, firme.
Ritsu ouviu se declarar, ouvia-o chorar e apertar seus braços junto a si, e não disse nada embora naquele momento talvez estivesse mais desconfortável do que esteve ao desfalecer em seus braços. Aquela bola de neve em seu peito, tinha que derreter, era intenso demais e sempre foi, mas estava depressivo. 
- Oy. 
Disse e se afastou, pegou seu rosto e fitou, continuava bonito, mesmo como um bebê chorão. 
- Pare de se envolver nesse seu abismo, as coisas não são assim tão complicadas. Eu estou bem. Você vai me ensinar as coisas novas, vamos poder ir à encontros e você nunca mais vai ter medo de que algo ruim aconteça. Pare. Está tudo bem agora.
Etsuo desviou o olhar ao irmão, piscando algumas vezes e na verdade, tentava parar de chorar, sentia-se um pouco mais calmo agora que havia feito tudo aquilo, sentia o peito mais leve.
- ... Pode... Pode me levar pra passear depois do jantar?
- Você quer passear? Onde você quer ir? 
Ritsu disse e acariciou seus cabelos, observando seu rosto contraditório aquela fragilidade, mas era adorável.
- ... Quero ir na praça... 
Etsuo murmurou, e guiou uma das mãos aos olhos, limpando-os.
- Por quê? Quer caçar?
- Só quero sentar no banco com você.
- Hum, mas, só vamos quando você estiver melhor. Quando estiver se alimentando e deixando de sofrer que nem um bobo.
O moreno desviou o olhar a ele e aquilo parecia para si de alguma forma, um castigo, podia lidar com isso. Assentiu e sorriu a ele.
- ... Pode me dar o macarrão? 
Disse, e grunhiu, como um cãozinho.
- Também... Só vamos fazer quando melhorar. 
Ritsu disse, falando de sexo. Já pegava o macarrão que como antes, pegou generosamente com os hashis para dar a ele.
Etsuo assentiu, silencioso e abriu a boca a aceitar o macarrão, e estava delicioso agora que se sentia mais tranquilo. Após servi-lo, Ritsu pôde pela primeira vez comer junto dele, da mesma forma que ele. Provou da mistura, o encarou em aprovação. O moreno sorriu ao vê-lo comer, estava feliz por poder comer com ele. 
- Oishi?
- Oishi. - Ritsu quase riu ao pegar um pedaço de papel toalha e secar seu rosto e mesmo seu nariz. Daquele modo ele quase parecia um humano. - Chorãozinho.
Etsuo uniu as sobrancelhas e sorriu.
- Desculpe.
Ritsu negativou e pegou um tanto mais do macarrão, dando a ele. Ele, que queria sempre cuidar de si, agora parecia que queria o contrário.
- Come tudo.
Etsuo assentiu e aceitou o macarrão, sorrindo ao irmão conforme comia.
- Hai, você não vai comer?
- Hum. Eu comprei uns bolinhos. 
Ritsu disse e abaixou na diferença de altura pelo assento. Selou seus lábios. 
- Bolinhos? Doce? 
Etsuo disse a observa-lo e retribuiu o selo, deslizando uma das mãos pelo braço do irmão.
- Salgado. - Ritsu sussurrou, contra sua boca mesmo.
- Hum... Come comigo então.
Ritsu assentiu e se afastou dele. Pegou a embalagem que havia trazido, colocou os pães num prato onde os trouxe com ele até onde sentado. Etsuo observou os pãezinhos, pareciam gostosos, mas não disse nada, continuou comendo o próprio macarrão. 
- Come.
O loiro assentiu e pegou os potinhos descartáveis que ganhava com a compra, colocou o molho de soja e deu a ele também um dos pães. 
- Coma esse.
Etsuo assentiu e pegou o pãozinho, sorrindo a ele, molhou em seu pote de molho e levou aos lábios. 
- Hum...
- Gostoso, hum? Gosto de gengibre na comida. - Ritsu disse e mordeu o pão.
- Hai. Oishi né!
- É, é bom comer, ah? Não precisa virar uma pedra em cima da mesa.
- Eu sei. - Etsuo riu. - Estou bem.
- Agora sim, mas não pode deixar de comer novamente.
- Não irei. - O moreno sorriu a irmão, mordendo mais um pedaço do pãozinho. - ... Irá a aula comigo na segunda?
- Voltará a ir na segunda? Então, é provável...
- Mamãe já matriculou você lá
- Eu sei, mas estou meio desconfortável sobre isso.
- Por quê?
- Porque sabem que eu era humano até pouco tempo.
- Eles não vão mexer com você.
- Hum, eu sei, eu só não quero me sentir desconfortável.
- Não vai, eu estarei com você.
- Hum. - Ritsu assentiu. - Espero que seus amigos não sejam chatos comigo.
- Não serão, ou eu quebro a cara deles.
- Hum, não fraquinho como está. Vai ter que se alimentar bem até lá.
- Hum, caso alguma coisa, você me defende.
- Eu sou um vampiro há um mês. 
Ritsu riu baixinho e pegou outro dos pães percebendo o olhar do irmão para o aperitivo. 
- É, mas você foi transformado por um vampiro de quinhentos anos, sei lá, então... Deve ser forte.
- Ah, nós jantaremos com ele.
- É, eu... Fiquei sabendo. - Etsuo sorriu. - Quero agradecer pelo que ele fez por você, então...
- Hum, vai ser legal conhecer outra família...

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