Yuuki e Kazuto #83


Kazuto suspirou, e sentia o vento bater contra o próprio rosto, bagunçando os cabelos loirinhos, fazendo os fios se entrelaçarem. Sentava-se ali onde ninguém mais se sentava, na beirada do prédio, no topo dele. Gostava de ser vampiro porque podia fazer aquilo, observar a rua lá embaixo, tentando ver as pessoas que passavam e por um momento observou ao redor de si, já havia estado ali antes, com ele, claro que não havia sido um encontro agradável, como alguns outros que tiveram no início, mas era engraçado se lembrar daquilo agora, que tinha uma família com ele, que estava com ele todos os dias. Com o passar do tempo, havia desistido de espera-lo em casa, embora tivesse o ciúmes e soubesse que ele faria o que quisesse, não podia mais exigir que ele estivesse sempre no horário em casa, ele agia como queria consigo. Naquele dia, estava especialmente triste. Não podia cozinhar, não podia cuidar da casa, não era útil pra muita coisa. Deslizou uma das mãos pelos cabelos e puxou a pequena mecha cor de rosa, retirando-a do cabelo assim como a azul, e num suspiro as jogou dali, deixando os cabelos loirinhos em sua cor única, não era mais uma criança. Na verdade, não sabia mais o que era, nem os filhos precisavam de si. Não haviam modos de mistério sendo vampiros, não tinha como estar num mesmo cômodo sem que o cheiro fosse perceptivo, ainda assim podia dribla-lo em alguns metros, como o espaço que tinha de seu assento desconfortável até a porta que dava no terraço espaçoso e tão levemente iluminado. Com o passar do tempo, Yuuki percebia seus hábitos que haviam acompanhado os próprios, não era propositais podia ver, e era por isso mesmo que ele estava ali e a si também, sem combinações, gostava do lugar e da vista e havia ensinado o garoto a gostar. Garoto, talvez ainda visse assim, ainda que alguns anos generosos houvessem se passado, pareciam ter parado no tempo, incapazes de absorverem as mudanças, ainda que se parasse para percebe-las, eram estupidamente notáveis. 
- Dizem que as garotas cortam seus cabelos sempre que se sentem num período ruim e desejam dar um fim nele. Renovação. 
Disse a ele, já alcançado, atrás de seu corpo porém a seu lado. 
Kazuto virou-se brevemente conforme ouviu sua voz, claro que havia sentido o cheiro dele, mas tudo em si tinha o cheiro dele, era facilmente enganado, ainda mais não sendo um vampiro tão antigo. Deu a ele um sorriso sutil e assentiu, porém, ele logo havia desaparecido.
- Demorei tempo demais pra crescer... Não tenho mais idade pra pintar o cabelo.
- O tamanho não mudou. 
Yuuki disse ainda de onde estava, não havia se sentado como ele, mas tinha a mesma ampla vista noturna e fresca. Kazuto desviou o olhar a ele num risinho novamente. 
- É, não adiantou comer bastante.
- Não vou me sentir mais maduro ou menos por ter uma mecha no cabelo. 
Ao dizer para ele, Yuuki abaixou-se de modo que alcançou a altura de seu rosto e então mostrou a mecha cor vinho numa pequena porção dos fios. Kazuto observou-o se aproximar e fitou a mecha que gostava em seus cabelos, bonita, até chegou a sorrir a ele. 
- Mas sua mecha não é azul e rosa...
- A cor não faz diferença. Não somos humanos, não vamos morrer se não quisemos isso, os anos são a maturidade que temos e não o cabelo.
- Hum... - Kazuto assentiu ao ouvi-lo. - ... Estou me sentindo mal. Me sinto desnecessário, mais do que geralmente eu sempre fui.
- Sei disso. 
O sangue corria em seu organismo. As mãos de Yuuki até então enfurnadas no bolso, deixaram o interior da calça e trabalhavam agora para prover os pulmões disfuncionais um pouco de fumaça. Tragou do cigarro que era quase como uma folha de papel e uma caneta, dando tempo para organizar em tópicos o que podia ensinar a ele. 
- Você é novo. Você tem menos de sessenta anos, isso é só um período dentre muitos que vão existir com esse tipo de pensamentos, porém, você nunca vai sentir ele tão forte quanto eu ou até mesmo meu irmão, porque são sessenta anos dos quais virão mais sessenta e mais sessenta e ainda assim você terá todos eles na companhia de alguém, seja a minha ou a de meus filhos. Você sabe como funciona essa espécie em questões sentimentais. Você me conheceu quando eu já tinha mais de trezentos anos nesse lugar, me conheceu num período ruim. Um período onde nada tinha sentido senão sexo para sentir algum prazer além do sangue. Agora se você se sente desnecessário em sessenta anos percebendo que talvez a vida não tenha nenhum sentido, imagine os trezentos anos em que estive aqui. Estou certo de que esse tipo de coisas não justificam o que fiz a você, estou certo de que nosso dia a dia não justifica, também sei que provavelmente amanhã posso agir do meu modo habitual, mas mudanças não são fáceis quando maior parte de sua existência se deu de uma única forma, ainda assim enquanto não estou no dia de amanhã, quero que saiba que no início me recusei a aceita-lo, é verdade, mas ainda que com o tempo meu comportamento tenha sido o mesmo, doloso e sádico, em minha cabeça era diferente, já havia mudado há muito tempo, em minha cabeça já havia aceitado a mais tempo do que você imagina. Então espero que saiba que diferente daquele início deturpado, meu intuito não é ferir você, ainda que provavelmente eu faça isso.
Kazuto ouviu-o silencioso, e de certo modo, não entendia porque ele dizia aquilo para si, não entendia, até chegar em sua metade. Realmente era como ele havia dito, não havia como pensar no sentimento que ele sentia estando há mais de trezentos anos sozinho, talvez, se sentiria abandonado, como se nunca fosse encontrar um modo de sair, de se libertar, não aguentaria tanto tempo. Desviou o olhar a ele, analisando suas expressões, parecia o mesmo, apesar de suas palavras serem afáveis, sabia o que sentia por ele, soube desde a primeira vez em que o viu, e também era sozinho, também havia sido deixado de lado, mas de uma forma diferente, não podia se comparar a ele, e sabia, que não havia o que pudesse dizer que fosse consolá-lo, porque ele não queria ser consolado, e se abrisse a boca para dizer algo, seria descartado. Ainda silencioso, se aproximou do outro, sutilmente e repousou a cabeça sobre o ombro dele, erguendo a face para observar seu rosto.
- ... Obrigado.
- Espero que não esteja sentindo pena, porque nunca senti tristeza, senti raiva. Fui criado como um passatempo para extravasar a raiva de quem me criou, com o tempo me tornei mais sério no jogo e fui levado a frente, foi assim que conheci você, e nesse período já era tarde para mudar o que eu já havia aderido em minha personalidade, ainda mais quando percebia que uma pequena parte de você parecia gostar disso. Como eu disse, não é uma justificativa. 
- Não sinto pena... Sei que não é isso que quer que eu sinta, o problema é saber que eu não pude ajudar você em nenhum momento... Mesmo estando ali e tentando o máximo que eu pude, eu nunca consegui arrumar um sorriso, uma lágrima, um sentimento concreto de você. Mesmo que eu te desse tudo... Parecia não ser o suficiente. As vezes, eu acredito que mesmo se eu morresse, você não iria sentir nada.
- É tolice acreditar que só existem as coisas que são palpáveis ou visíveis. A felicidade é relativa e pode ser manifestada de formas diferentes, se existe algo que você precisa amadurecer é na forma como pressupõe que as pessoas devam reagir a alguma situação​. Eu sou feliz com as coisas que tenho. Você parece a meu ver alguém infeliz, o que posso olhar, mas como eu disse, seria tolo acreditar que só porque eu enxergo isso, é o que realmente é. Eu sei que ainda que tenha essa pequena cara de cão sem dono, você é feliz mesmo com lapsos de humor ou pensamentos ruins. Eu gosto de você, gosto do que vejo quando olho pra você, mesmo seu nariz achatado que não importa o quanto eu puxe ele continua baixo. Mesmo que eu não esteja falando sobre amor com você, se eu escolhi continuar aqui, é porque tem uma razão. Eu poderia ir embora a qualquer momento se não fosse minha escolha estar com você.
Kazuto assentiu ao ouvi-lo, até deu um risinho ao ouvir sobre o próprio nariz e desviou o olhar para baixo novamente, a cidade abaixo de si. 
- ... Você pularia atrás de mim se eu fosse um humano?
- Não pularia porque não o deixaria cair.
Kazuto desviou o olhar a ele atrás de si e sorriu, assentindo.
- Se eu quisesse mata-lo eu saberia como fazer isso.
O menor arqueou uma das sobrancelhas. 
- Agora eu estou com medo.
- Estou dizendo que se quisesse isso eu já teria feito, então não precisa se questionar se eu o salvaria, uma vez que poderia fazer o contrário sem que você tentasse pular de algum lugar.
Kazuto assentiu novamente. 
- Eu não ia pular, só... Sentei aqui pra observar. Mas você sabe disso. - Disse num suspiro. - Já que estamos sendo sinceros um com o outro... Como você se sentiu da primeira vez que segurou o Suzuya?
Yuuki tragou o cigarro numa sugada profunda, tornando em cinzas o cilindro até a metade antes existente. Tentou pensar exatamente como havia se sentido.
- Não sei ao certo, eu sabia que estava pronto para aquilo.
- Hum... 
Kazuto murmurou, num pequeno sorriso.
- Bem, não é algo fácil de responder. Você provavelmente também não sabe dizer o que sentiu e mesmo que use alguma palavra, não é exatamente como sentir.
O menor assentiu e desviou o olhar a ele. 
- Tudo bem.
- ... Vai devolver meu fogão?
- Seu fogão?
- É... Não me deixa mais cozinhar.
- Não exagere. Eu disse naquele dia, você não voltou a fazer porque teve medo, mas não bloqueei a cozinha.
- Não quero te dar trabalho...
- Levou muito a sério.
- Tem como não te levar a sério?
- Hum, é. Você pode cozinhar. 
Yuuki disse e jogou a miserável bituca de cigarro prédio a baixo. 
- Ta bem. 
Kazuto sorriu, deslizando uma das mãos pelos cabelos, ajeitando-os no lugar e virou-se, de frente a ele.
- Vamos descer. - Yuuki disse uma vez defronte a ele. -  E você pode ter o cabelo rosa e azul. - Disse ao tocar a ponta recém aparada.
Kazuto desviou o olhar ao maior e uniu as sobrancelhas, assentindo. 
- Yuuki... Posso... Posso abraçar você?
- Esse tipo de coisas são mais fáceis sem pergunta.
O menor assentiu e aproximou-se, abraçando-o e repousou a face sobre o ombro dele. Yuuki tocou suas costas e manteve o contato sem diálogos, observando a imagem por trás de suas costas sem dificuldade. Kazuto suspirou, sentindo o corpo frio dele, embora de alguma forma, quente e logo afastou-se, dando a ele um pequeno sorriso.
- Vamos.
- O que, hum? - O maior indagou sobre o pedido repentino.
- Vamos descer... Vou preparar seu banho.
O menor deu um pequeno sorriso a ele, meio de canto conforme havia enchido a banheira, e como de praxe, colocou sais de banho e algumas gotas de sangue na água, era o modo como a empregada dele fazia seu banho antigamente, apenas copiava o modo.
- ... Pronto, vou... Fazer o jantar.

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