Masashi e Katsuragi #24


Katsuragi estava fraco, haviam se passado alguns dias, e desde então ficara sentado ali ao lado dele, tentava passar a maior parte do tempo de olhos abertos, mas as vezes caía no sono, e era o que havia ocorrido naquela hora. Estava sentado, de cabeça baixa, e adormecido. Não comia comida humana há dias, era vampiro, mas precisava para manter o peso que tinha, ou emagreceria como um humano, havia levado exatamente três dias para voltar a vida, sabia que em situações de emergência, os vampiros voltavam mais rápido, mas demorava mais tempo para se adaptar também, só que ele, já estava assim há mais de dez dias e não queria acreditar que pudesse ter acontecido algo com ele.

Ao acordar, se é que isso iria acontecer, Masashi não teria novidades para contar. Não teria sonhos para compartilhar, não teria uma grande história por trás dos dez dias de inércia. Não tinha cheiro, não tinha calor, não tinha dor, nem sentimentos. Talvez houvesse morrido, mas pelo menos havia uma boa causa, havia provado o amor que nunca contou a quem o recebeu. Mas é claro, não estava pensando nisso. Nada pensava, até agora. Quando pensou ter acordado, imaginava uma pequena rua asfaltada, uma passarela onde pisava, diferentemente do restante do caminho, que era verde mas ofuscado por folhas secas, como numa estação de outono. O que era estranho, já que o caminho a frente exibia uma paisagem floral, com um jardim de rosas dispersas por todo um amplo jardim. Mas elas não eram jogadas como flores que cresceram sem zelo, eram especialmente posicionadas, estrategicamente colocadas formando círculos de rosas por todo o caminho. Eram adornadas no entanto por um céu branco, com uma neblina densa que quase parecia palpável. Caminhou, observando curiosamente aquele lugar, que mais parecia um lugar onde existira talvez algum dia, um cemitério, sem lápides, sem morte. E no fim da passarela o portão cor de bronze, talvez um dia houvesse sido dourado, mas estava enferrujado, de uma forma que deixava algum charme. E rangiu suavemente, como uma porta que precisava ser lubrificada, dando vazão ao jardim bem cuidado com o capricho de quem o deixou. As cores pareciam frias, assim como a temperatura que dava as caras com a neblina, parecia uma fumaça de gelo seco, mas ainda que pudesse sentir aquele toque frígido, não sentia frio. Na verdade, sentia uma incrível sensação de frescor, muito agradável. Mas ainda não entendia como chegara ali. E precisou de mais alguns passos para ver algo senão grandes rosas em carmim. Havia alguém ali, estava abaixado e usava um kimono preto e sem detalhes e um obi branco. E com um regador, umedecia a terra em torno das flores que julgou serem dele, projetadas por ele. Seus cabelos eram negros como a veste, e sua pele branca como o obi. "Oi?" Tentou dizê-lo, e chamar a antenção do único ser além de flores, que ali estava, mas por algum motivo não conseguiu abrir a boca. Portanto, precisou de mais alguns metros para alcançá-lo. Espaço este o suficiente para notar que em seu regador, a água limpa não saia. Despejava sobre as flores um denso e rubro líquido. Vezes mais vívido, vezes mais enegrecido. Tentou novamente lhe pronunciar, mas antes que a voz pudesse sair, notou o leve movimento de seus cabelos, e seu rosto pálido e magro onde algum dia existira uma incrível beleza. Sua feição era triste, mas seus olhos cintilavam em vermelho. "Masashi..." Disse ele. E sentiu na boca um sabor que nunca antes, mas em si causava vivacidade e fome. Escorrera suavemente pelos cantos dos lábios, e levou a mão cuja fitou e viu-a enrubescer com o líquido que tirava dela. O mesmo que o viu despejar em suas flores e o mesmo que deixou os lábios do corpo inerte sobre a cama.
Katsuragi notou um movimento no quarto, na verdade, fora mais o barulho que alarmou a si e abrindo os olhos rapidamente observou a cama e o outro sobre ela.
- Masashi?! 
Acordou como já havia acordado várias vezes, ainda tinha esperança de encontrá-lo acordado, afinal, não havia cheiro algum de seu corpo, um humano normal já teria apodrecido, mas sua pele parecia sempre linda e branca, como era antes de ter o próprio sangue. Negativou consigo mesmo, achando estar sonhando apenas, porém o cheiro que sentiu alertava a si que alguma coisa estava errada, era sangue, havia acabado de tomar a última garrafa trazida, mas mesmo assim, o cheiro era bem diferente, e aproximando-se dele, percebeu que não vinha de nenhum humano que se aproximava. Arregalou os olhos, sem entender porque aquilo estava acontecendo e rapidamente pegou uma toalha no banheiro, correndo em direção à cama onde abaixou-se ao lado dele e limpou o sangue que escorria.
- Masashi? ... Está me ouvindo? Masashi? 
Murmurou, e já tinha esperanças de que ele estivesse vivo, havia sangue correndo pelo corpo dele, então isso era um bom sinal. Sorriu e abaixou-se, beijando-o no rosto e sobre os lábios manchados de sangue.
- Masashi, eu estou aqui.
Masashi observou o sangue nos dedos e novamente o rapaz que dava água a suas flores, embora não fosse realmente um líquido límpido e cristalino, mas vê-lo, fazia sentir sede. "Masashi", ouviu-o novamente dizer. "Estou aqui", dizia ele, e embora estivesse ainda distante, sentiu um toque gentil na boca, e sabia que vinha dele. Abriu os olhos, um pouco mais que o normal, acordando daquilo que não imaginava ser um sonho e sentia-se horrível. Tinha dor no corpo, tinha uma sensação estranha de secura na boca, e seja lá o que estivesse na boca, já havia engolido antes mesmo de jogá-lo a fora da boca outra vez. E aquela altura, é claro que os olhos bem abertos, cintilavam com o cheiro que invadia as narinas. Katsuragi afastou-se a observá-lo, e segurou uma de suas mãos entre os dedos, ainda pedia perdão a ele em silêncio, mas esperava pacientemente, não como quem havia esperado doze dias. Levou a mão dele aos lábios, beijando-a e notou o movimento de sua garganta a engolir o sangue que havia em sua boca, virou-se e procurou visivelmente algo ao lado no móvel e só então percebeu que aquela não fora a última garrafa bebida, ainda tinha mais uma. Pegou-a a deixá-la ao próprio lado e finalmente o viu abrir os olhos. Abriu um enorme sorriso nos lábios e abraçou-o firmemente contra si.
- Masashi! Eu sabia!
Masashi observou, notando sua pele pálida, um pouco mais do que costumava ser. Parecia cansado, e parecia mais magro. O abraçou igualmente, envolvendo sua cintura. 
- Katsuragi... - Murmurou. - Cadê? Você melhorou? Tomou mais sangue?
Katsuragi abraçou-o, apertando-o contra o corpo, e acreditava que nunca o havia apertado tanto.
- Masashi... - Murmurou e já chorava novamente, como uma criança. - Você esta vivo...
- Espero que sim. Estava sonhando que você regava flores com sangue, e eu comecei a sangrar. Eu quero ver seu machucado.
- Isso não é importante agora, eu estou bem... 
Katsuragi murmurou a observá-lo, deslizando uma das mãos pela face dele, acariciando-o, sentindo a pele macia dele, mais branca do que antes.
- Me perdoe.
- Eu quero ver. Você cuidou disso? Já bebeu mais sangue? Por que está magro desse jeito?
O maior assentiu e manteve-se alguns segundos a observá-lo. Levantou-se e puxou o obi branco que usava, como no sonho dele, e o quimono preto deslizou pelo corpo a expor o corte da cintura ao lado, já cicatrizado, porém com uma pequena marca ainda aparente, que aos poucos sairia. Logo após, colocou de volta o quimono, já que tinha o corpo tão magro, não queria que ele visse.
- Estou bem. Beba isso. 
Murmurou e entregou a ele a garrafa com o sangue.
- Ah, você se alimentou bem. 
Masashi disse e sorriu ao moreno, teria tocado sua pele, se não houvesse se escondido tão depressa. Observou sua roupa, notando-a como havia sonhado. 
- Você estava com essa roupa no sonho. - Disse e até pegou a garrafa, mas somente notou a coloração depois. - Não, não.
- Você precisa disso. 
Katsuragi falou a ele e abriu a tampa, deixando-o sentir o aroma.
- Não preciso nada.  
Masashi disse e torceu a boca, numa careta. Mas sentiu o cheiro sair da garrafa de uma forma diferente do habitual. Se ainda fosse humano, teria sentido o estômago revirar de fome. 
- Masashi, quando você trocou o sangue comigo você morreu. Agora você é como eu, se não tomar, você vai morrer.
O menor já devia estar ciente disso, de modo que nem tentou se manifestar. Deixou-o refrescar a mente e pensou como era estranho estar em sua mesma espécie. No entanto, é claro que a ficha não cairia tão logo. Esticou a mão a pegar a garrafinha de vidro. Já aberta, somente a levou próximo a boca, um pouco hesitante no início, mas o cheiro não parecia algo que faria vomitar.
- Tem um gosto bom, eu juro. É como um suco bem gostoso.
Sem pestanejar, Masashi bebeu o "suco", ingerindo aos poucos e sentiu como se bebesse algum tipo de remédio, visto que era suficiente para tirar o corpo daquele estado dolorido e desconfortável. 
- Eu sei que dói, logo vai passar. Estou tão feliz que você está bem... Dormiu por doze dias.
Masashi bebeu do sangue e aos poucos os goles eram um pouco mais longos, mas tentou não soar desesperado, embora sentisse bastante fome. E o último gole que bebeu, acabou deixando escapar suavemente, visto que tossiu, surpreso. 
- Doze?
- Hai. - Katsuragi murmurou a observá-lo. - Eu fiquei aqui com você, não se preocupe.
- Mas... eu sonhei hoje como se acabasse de dormir...
- Mas você dormiu bastante tempo, achei que iria perder você.
- Você se cuidou? Você emagreceu. Sua cicatriz ainda está aparente por ser de doze dias.
- Eu só não comi comida, estou bem.
Deveria. Nós temos que voltar pra casa.
- Iie, estamos bem por enquanto. Você precisa se adaptar.
- Não, já fazem mais de doze dias...
- O que tem? O bordel está seguro, não se preocupe. Eu quero te pedir desculpas.
- Mas íamos voltar em sete dias.
- Não tem importância. Você me ouviu?
- Não se desculpe. 
Masashi disse e entregou o vidro vazio. Mas ainda se sentia insatisfeito, no entanto, não queria pedir por mais.
- Vou pegar mais pra você, eu te dei banho todos os dias, mas talvez você ainda queira se banhar, hum?
- Como assim? Espero que... Não tenha ido muito intimamente...
- Calma, não vi nada demais. - Katsuragi riu.
Masashi estreitou os olhos. 
- Devo estar horrível...
- Não, você está lindo.
- Devo estar parecendo um doente. 
Masashi disse e enfim se sentou, levando os dedos entre os cabelos os quais penteou com o toque e jogou para trás, mas tentou puxá-lo e esconder a face com os fios. Katsuragi riu baixinho.
- Você está lindo, Masashi, pare de ser idiota. E vai ficar lindo assim para sempre.
Murmurou, levantando-se igualmente e abraçou-o, apertando-o contra o corpo. Masashi abraçou-o em retribuição. Descansando o rosto sobre seu ombro, e a única coisa que fez com que percebesse há quanto tempo dormia, era o fato de que abraçá-lo parecia algo nostálgico e ele parecia tão frágil e magrinho. 
- Vou fazer sopa pra você.
Katsuragi Sorriu ao ouvi-lo e manteve-se em silêncio por um pequeno tempo, percebendo algo estranho desde que havia acordado, mas até então, não disse nada. Já havia ouvido sobre isso antes, mas nunca havia dado tanta importância, já que não sentia e não trocava o sangue com ninguém, mas agora, podia sentir bem nitidamente o desconforto que ele sentia, seus sentimentos confusos e até algo que causava uma boa sensação em si, amor? Não sabia. Suspirou e beijou-o no rosto algumas vezes.
- Eu te amo.
Masashi sentiu os beijos suaves, mas ainda deslizava as mãos por suas costas ou cintura, sentindo-o magrinho. Não era tanto, mas notava a diferença, justamente por saber que ficara ali por quase doze dias. E tocou seus cabelos longos, afagando-os e beijou-o no pescoço. Mas sabia, que embora com remorso, ele estava feliz. 
- Não preciso mais me preocupar com você... Logo, vai ser tão forte que vai poder me bater se quiser. - Katsuragi murmurou a ele e sorriu. - Você é meu pra sempre agora...
- Ah, que exemplo. Não bateria em você. E eu não era tão frágil assim.
- Você entendeu. - Riu.
- Eu podia ao menos ter chegado aos vinte cinco, assim não ia parecer tão novo.
- Tudo bem, você é meu filhinho querido.
- Nãão...
- Meu bebê.
- Não fale assim.
Katsuragi riu.- Preciso te ensinar algumas coisas, então tome um banho e venha pra cá.
- Estou com fome. Me sinto mal.
- Certo, eu vou buscar sangue.
- Mas eu já tomei, não adianta.
- Adianta sim, logo vai passar, é porque você é novo.
- Eu vou tomar banho. Depois disso eu faço um lanche pra nós.
- Ta bem.
- Você está bem?
- Estou. Katsuragi sorriu a ele e piscou. Masashi tocou-o no rosto, acariciando. 
- Quer dormir um pouco?
- Por quê? Estou com olheiras no queixo?
- Parece cansado.
- Fiquei acordado, dormi bem pouco, mas estou bem, quero ficar com você.
- Pode dormir. Teremos a vida toda, não é?
- Ta bem...
- Deita. 
Masashi disse e deu lugar a ele, embora imaginasse que provavelmente estaria sujo por si. 
- Hai... Eu te dou banho depois. Não se preocupe, estou limpinho.
- Eu sei, seu cheiro está gostoso.
Katsuragi sorriu e logo se deitou na cama, aconchegando-se ao lado dele.
- Vou te contar, pra não te assustar...
- Eh? - Masashi retrucou, esperando alguma má notícia.
- Não se preocupe. - O maior sorriu. - Daqui há um tempo, quando estiver se acostumando a ser um vampiro, quando beber o meu sangue, vai poder sentir os meus sentimentos, vai saber quando eu estiver em perigo, quando eu estiver me sentindo triste, e também vai sentir o meu prazer quando estivermos fazendo amor, hum.
- Eu... Não entendo isso. Você sente de todo mundo que bebe o sangue?
- Iie, só do meu parceiro. Acredito que pessoas da família também, sendo vampiros, é claro. Não bebemos sangue de outros vampiros, por isso...
- Ah... Parece bom. Conveniente. - Masashi disse e levantou-se, beijou-o no rosto antes. - Descanse, eu vou me banhar.
Katsuragi desviou o olhar a ele e uniu as sobrancelhas.
- Iie...
- Preciso disso, sabe?
- Tudo bem...
- Eu volto em meia hora no máximo.
- Certo.

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