Atsushi e Kaoru #23


As batidas foram firmes contra a porta, e não era a própria casa, era a cada do outro. A campainha estava ali, disponível a quem quisesse tocar, mas ela optou pelos fortes socos contra a madeira. O guitarrista não estava em casa, mas o vocalista estava, havia chego há pouco tempo, e bem, não havia marcado nenhuma visita. 

- Kaoru?!
O jornal pendeu suavemente, pouco distante da mesa de centro na sala. O cigarro também parou entre os dedos do maior, meio frouxo. Aquela altura o cenho já estava franzido, incomodado pelas batidas altas demais. Por um momento tentou ignorar mas era difícil, logo então se levantou e seguiu a atender a mulher que não pode identificar quem era.
- Meu Deus hein?
Assim que ele abriu a porta, ela franziu o cenho igualmente, observando o outro em frente, e era bonito, nossa, bem mais do que nas fotos. 
- A-Atsushi... O Kaoru... O Kaoru está?
- Não está. Está no trabalho. Você quem é? 
Disse o vocalista ainda um tanto aborrecido pelas batidas fortes na porta.
- Esposa dele.
- Ah, ex-esposa. Como conseguiu esse endereço?
- Bem, ele tem que me passar um endereço para os papéis. Meu marido não está mesmo aí? Preciso conversar com ele.
- Ele não está, como disse. Você pode entrar e beber alguma coisa enquanto espera.
- Não. Pode pedir pra ele me ligar? Precisa assinar uns papéis. Pode me dar um autógrafo?
- Claro, passarei o recado. - O maior disse a ela, interrompido porém antes de prosseguir com a frase, ainda que não tivesse intenção. - Oh, claro. 
Disse meio confuso pela situação mas buscou  a caneta mais próxima, na sala de estar, assim como um pedaço de papel de uma agenda inacabada com o ano.
- Aqui.

- Obrigada... - Disse ela a segurar o papel com as mãos trêmulas. - ... Sabe que não vai poder ter uma família com ele, não sabe?
Atsushi percebia o momento inconsistente de sua mão, perguntava-se que tipo de nervosismo era, tinha diversos fatores a considerar.
- Posso te responder essa pergunta de diversas formas possíveis.

Ela arqueou uma das sobrancelhas.
- Hum?

- Assim como seu nervosismo, que eu não sei se é pela pergunta, se é por querê-lo de volta ou somente pelo autógrafo, também não sei qual seu tipo de concepção de família. Então posso responder de diversas formas.
Ela pigarreou.
- Sabe que ele não vai te dar filhos. Por mais nojento que isso pareça em imaginar o meu marido grávido.

- Ainda assim posso te responder de várias maneiras. Não preciso de filhos para saber que somos uma família, duas pessoas já podem ser uma família. Tudo depende da forma como vê quem está ao seu lado.
Ela desviou o olhar, não sabia se estava envergonhada por ser o cantor favorito ou pelo que ele havia dito, não conseguia sentir raiva dele, por mais que quisesse. 
- Quero meu Kaoru de volta, Atsushi. Pare de fazer isso com ele, sabe que ele não é gay.
- Pare de fazer o que? - Atsushi indagou feito um bom desentendido. Teve de sorrir, achando graça na situação.
- Pare de confundir ele.
- Não estou confundindo ele, estou fazendo ele feliz. Deve saber.
- Ele não pode ser feliz com você! 
Kaoru estacionou o carro na garagem, e até então não havia visto a outra na porta de entrada, já que estacionava com calma. Ao sair, ajeitou os cabelos, ondulados e desajeitados como de praxe, sobre os ombros e seguiu em direção a porta de casa, distraído, até vê-la ali. O caminho de um minuto quase inteiro fizera em quase um segundo e parou a caminhada rápida somente quando se fez lado a ela. 
- Haruna, o que faz aqui?
- Vim ver você.
- Me ver? Ficou louca? Nós terminamos.
Atsushi tocou o guitarrista no ombro, pedindo silêncio, não queria interrupção naquele momento.
- Por que não?
O menor desviou o olhar a ele ao sentir sua mão sobre o ombro, e cessou a fala no mesmo minuto. A outra desviou o olhar a ele, nervosa, ainda mais agora que o ex-marido estava ao lado. 
- Kaoru é hétero, sabe disso.
O maior arqueou uma das sobrancelhas, e iria contestá-la.
- Não sei não. Na verdade não acho que isso tenha importância. Sendo hétero ou não, ele gosta de estar comigo.
Ela suspirou e desviou o olhar ao guitarrista em seguida. 
- Precisa assinar uns papéis pra mim. Não consigo discutir com ele, ele é bonito demais.
Kaoru arqueou uma das sobrancelhas novamente e desviou o olhar ao outro.
- Não estamos discutindo, estamos quebrando algumas concepções errôneas. Como achar que não podemos ter filhos ou que sem eles não seríamos uma família. Talvez esse pensamento tenha acabado com o que tinham. Talvez se você tivesse entendido que o filho não te faria mais família dele, e tivesse sentido que eram de fato auto suficientes, teriam sido felizes e agora não estaria na minha porta. Mas infelizmente, pra você eu suponho, agora ele é minha família.
O menor desviou o olhar a ele enquanto o ouvia, e em seguida, desviou a ela, o sorriso havia sumido entre os lábios, pelo torpor de não saber o que havia ali e do que havia perdido, não estava entendendo, mas pôde ver na face dela a expressão de desagrado, jurou até ter visto alguma lágrima, e ao estender os papéis, empurrando-os contra o próprio tórax, se retirou. 
- ... O que houve?
Atsushi não teve oportunidade de se despedir, havia ido embora talvez enfurecida pelo que dissera ou arrependida pelo que aprendia agora, ou quem sabe seu fracasso em descobrir o que tinha ao lado antes que fosse um pouco tarde, era uma mulher que deixava algumas possibilidades nas respostas, em todas elas. 
- Bem, eu não sei na verdade. - Disse e tragou o cigarro. - Ela disse que eu não poderia ter uma família com você e que não poderia te fazer feliz e eu disse a ela que poderia sim. Talvez ela tenha visto que eu tinha razão e não gostou da verdade.
Kaoru observou-o por um instante e deu a ele um suave sorriso, deslizando uma das mãos pelos cabelos compridos dele e aproximou-se a lhe selar os lábios. 
- Esqueça, vem, vamos entrar.
- Mal educada, quase quebrou minha porta. 
Resmungou o maior com o cigarro ainda entre os lábios a medida em que o levava para dentro. O menor seguiu com ele e riu baixinho. 
- Sinto muito por isso.
- Tem que sentir pela porta, que também é quase sua.
- É só a porta. Quero te mostrar uma coisa.
- Mostra.
Kaoru sorriu e pediu que ele esperasse um momento. Subiu em direção ao quarto onde havia deixado as próprias coisas, e pegou ali o violão, coberto pela capa, que retirou e desceu as escadas. Estendeu uma das mãos a ele, indicando que se sentasse no sofá da sala, e sentou-se lado a ele, virado em sua direção, porém em boa distância. Os dedos deslizaram pelas cordas, de modo suave e aos poucos mostrou a ele, a música que havia ensaiado, não cantava em conjunto, a própria voz era terrível, mas sabia que ele saberia o que estava tocando para ele, e o fazia com carinho, uma vez que tremia um pouco para continuar a canção, Kiss me Goodbye.
Atsushi achou o gesto inesperado, tanto é que esperava algo sem tempo a perder, mas pegou seu violão, e passou a tocar um ritmo que já conhecia, de uma forma diferente do instrumento habitual. Riu, não por ser engraçado mas por se divertir com o fato, imaginou que não era algo que não pudesse esperar, mas para ele talvez fosse.
- Oh, você é adorável. Andou ouvindo algumas antigas, hum?

O menor cessou o toque ao ouvi-lo e assentiu. 
- Desculpe cortar, é que... Eu queria muto te mostrar.
- Está muito bom assim. Continue.
Kaoru sorriu e assentiu a ele, desviando a atenção ao violão novamente, e seguiu a música de onde parou. Atsushi resmungou de onde ele começava, pegando embalo para lhe dar algum apoio com sua música.
Candle ga, kieru made namida ga kareru made, itsudemo soba ni ite...
Kaoru desviou o olhar a ele, jogando suavemente os cabelos médios para trás e sorriu, mostrando os dentes quando ouviu sua voz bonita, o que deu a si, mais vontade de continuar a música.
Atsushi continuou por um tempo, suficiente para mais uma das partes do refrão, mas interrompeu logo, sorriu a ele.
- Fazia um tempo que não cantava essa.
Assim como ele, o guitarrista interrompeu a canção, sem ser repentino, sorrindo novamente, animado com o fato de conseguir acompanhá-lo naquele dia, estava bem. 
- Ela é muito bonita, devia cantar mais vezes... Apesar de... Ter escrito para sua ex-esposa, não? - Sorriu meio canteiro, deixando o violão de lado.
- Não cantei ela pra minha ex-esposa. - Disse, sem saber de onde ele havia tirado a ideia.
- Uh, malditos boatos. Achei que fosse.
- Ah, andou lendo alguma coisa estranha, é?
- Não, me disseram isso enquanto eu ensaiava. - Disse e riu baixinho. - ... Meus dedos, estão bons hoje.
- Quem disse? Alguém da sua banda? - Atsushi indagou e pegou sua mão, beijou seus dedos bons naquele dia. - Sempre estão.
- Die disse. - Kaoru falou a ele e riu. - Devia ter suspeitado. - Murmurou e sorriu a ele conforme sentiu o beijo, meio envergonhado.
- Como ele pode ser tão de mau gosto? Mesmo que isso fosse verdade, como ele pode tentar acabar com sua disposição a fazer algo?
- Ele é um idiota, faz isso pra me provocar. - Disse a pigarrear. - Não mudaria o fato de que eu queria tocá-la pra você, não me importo pra quem escreveu... Não abra mais a porta pra ela, certo? Não quero ela chateando você com essa bobagem de filhos.
- Não me chateio com essas coisas. Ela não sabe de nada, se soubesse não teria perdido o casamento. - Atsushi tocou seus cabelos ondulados, afagando-os. 
Kaoru assentiu ao ouvi-lo, apreciando a caricia, embora de modo sutil.
- ... Queria ser capaz de lhe dar filhos também, espero que saiba disso.
- Você quer engravidar? Porque sabe... Eu não pretendo.
O menor desviou o olhar a ele. 
- Não... Não estou pensando nisso, eu só... Você entendeu.
- Apenas me imagine com uma barriga.
- Que horror.
- Eu não me importo com isso. Como eu disse a ela, família não só é família com a existência de um filho. Em dois já somos uma. E ainda somos um casal recente, não há porque pensar nisso, se um dia quiser filhos, podemos adotar.
Kaoru ouviu-o silencioso e assentiu com um pequeno sorriso nos lábios.
- Eu não mereço você, sabe disso não é?
- Que modéstia.
O menor riu baixinho, negativando.
- Não consigo discutir com você, você é lindo demais.
- Ah, é? - Atsushi disse, não associando ao que dissera sua esposa.
Kaoru riu e assentiu, deixando o violão de lado.
- Você quer ter filhos então?
O menor desviou o olhar a ele e franziu o cenho.
- Não disse isso. Apenas disse que gostaria de poder dá-los a você, sabe que eu tenho problemas com isso.

- Estou perguntando se você tem vontade.
Kaoru sorriu meio de canto. 
- Acho que todo mundo quer ter um herdeiro, certo?
- Hum, acho que não. Mas entendo seu ponto.
- Isso não é importante, de todo modo.
- Não é porque não deu certo com ela que não daria comigo. Até porque seria de uma forma diferente.
Kaoru desviou o olhar a ele, permanecendo a observá-lo por um pequeno tempo e negativou. 
- Não se preocupe, não vou fazer você olhar pra uma aberração assim.
- Essa foi sem dúvida a coisa mais idiota que você já me disse.
O menor franziu o cenho e coçou a cabeça. 
- Ora, desculpe. Mas sabe que eu ficaria terrível se estivesse grávido.
- Isso não é sobre beleza. E vou te achar adorável de qualquer modo.
O menor desviou o olhar a ele com um pequeno sorriso e assentiu, deslizando uma das mãos pela coxa dele, num toque suave.
- ... Ainda, somos recentes pra pensar nisso, tenho quarenta anos, não sei se ainda posso ter filhos, não sei se um dia eu vou poder, acho que nunca pude, mas eu agradeço por dizer isso pra mim.
- Se você não pode, eu então... 
Disse o maior e tocou sua mão sobre si, entrelaçando seus dedos e o que restava do cigarro já curto durante o diálogo tragou, e deu um último trago da bituca para ele.
O menor aceitou o trago do cigarro, dando a ele mais um pequeno sorriso e selou seus lábios logo após. 
- Eu te amo. Nunca vou me cansar de dizer isso a você, nunca senti que essas palavras de fato valiam a pena ser ditas, até agora.
- Hum, galanteador Niikura.
Kaoru riu baixinho e negativou, constrangido. 
- Preciso tomar um banho. Depois podemos tomar umas cervejas?
- Tome banho e se vista, vamos a um bar.
- Um bar, uh?
- Sim, faz um tempo que não vamos.
- Certo, vou adorar.
- Ok, então tome um banho, fique bonitão e vamos.
- Fique bonitão é? Não me acha bonitão assim? - Riu.
- Tem razão, sempre acho.
O menor sorriu. 
- Não tanto quando você, destruidor de corações.
- De onde tirou isso? 
- Você com a Haruna. - Riu.
- Não fui eu quem destruí o coração dela.
- Bem, certa parte foi.
- Certa, é?
- Você é o vocalista favorito dela.
- Ah, eu sou? Devia ter sido mais gentil.
- Não devia não.
Atsushi sorriu-lhe com os dentes à mostra.
- Então okay.

- Vou tomar banho e "ficar bonitão", já volto.

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