Kazuma e Asahi #58


As flores caíam sobre o chão em frente a igreja, haviam sido plantadas duas cerejeiras em sua entrada, assim como um mural em homenagem aos militares que ali haviam lutado para salvar os japoneses na recente guerra que havia ocorrido, Kazuma estava parado em frente ao mural. Haviam vários nomes, inclusive, o próprio, gravado a pedra, mas naquela situação, era tão inútil que não poderia nem expressar o quanto. A verdade é que havia voltado ali, embora várias vezes houvesse pensado na morte de Asahi, ainda tinha alguma esperança de encontrá-lo, e sabia que havia se passado muito tempo, mas alguma coisa ainda o motivava a continuar, não poderia ser somente aquilo, não poderia finalizar daquele modo, toda a história que tivera com ele.
Ao entrar na igreja, observou o mesmo rapaz da vinda anterior, parecia se recordar da estada por lá e da procura do rapaz mais novo, trocou consigo algumas palavras sem informação mas optou por chamar o homem mais velho da igreja, na tentativa de ser útil de alguma força. 
O padre mais velho havia sido notificado da vinda de um rapaz que procurava por algo, e não havia dado a atenção, se o mais jovem não houvesse dito o nome de Asahi. Ao se levantar, o homem arrumou a batida amarrotada e guiou-se escada abaixo, que havia sido reformada, assim como todos os quartos da igreja que agora esbanjava riqueza, ao contrário da guerra. Ao fim da escada, fitou ali o rapaz, não sabia quem era, mas fez uma reverência em cumprimento.
- Como posso ajudá-lo, senhor...?

Kazuma voltou-se ao homem que descia cuidadosamente as escadas, talvez um pouco abatido por sua idade.
- Padre. - Disse em cumprimento. - Estou procurando pelo padre que costumava estar por aqui. Asahi.
O mais velho assentiu ao ouvi-lo, observando o modo como o outro se vestia, e seus cabelos raspados, presumiu quem ele era.
- Asahi não é mais padre dessa igreja.
- Eu supus com a ausência dele. Tem notícias de onde tem vivido?- Não, infelizmente. Posso ajudá-lo em mais alguma coisa? - Disse, já meio ríspido.
Kazuma desdenhou a rigidez do homem, não soava muito diferente.
- Sabe de alguém que talvez saiba de seu paradeiro? Existe algo que preciso entregar a ele.
O padre suspirou, colocando ambas as mãos em suas costas.
- Você é Sakurai Kazuma, certo?
- Essa informação depende de quem sou, Padre?- Sabe quem eu sou, Sakurai?- Não o conheço. Dessa igreja somente Asahi. O senhor pode me dar a informação? Não tenho muito tempo por aqui.- Eu sou o pai do Asahi, que abdicou de seus votos por ter sido corrompido por um general militar. - O padre sorriu a ele. - Não posso ajudá-lo, Asahi foi expulso há muito tempo.
Em primeiro momento, Kazuma ouviu o que dizia com certa compreensão, no fim da frase no entanto era uma história diferente.
- Pai, você disse?
- Sim, sou o pai dele.- Você não é o pai dele. Você é só um homem que o colocou sob o braço a fim de seguir seus desejos e não os dele. Muito honrado de sua parte cuidar de uma criança sozinha, mas pecou se achou que só porque deu a ele um lar, virou o dono de sua vida e de suas escolhas. Um homem que se dizia meu pai me fez ser militar, um homem que eu chamo de pai me deu escolha de ser ou não um militar, e independente de minha escolha, eu não perderia meu pai ou minha casa. Você não é um pai. E por fim, me diga qual informação você tem sobre Asahi antes que eu resolva usar minha posição militar para arranca-la de você.O homem se manteve calado a ouvi-lo, achava um absurdo, mas não quis discutir com ele.
- Há uma vila descendo a montanha, soube que Asahi pode estar por lá.

- Soube, é? O "pai" dele não se preocupou em saber como ele está? Padre.
Disse o maior e o cumprimentou com o maneio da cabeça, voltando a cortesia inicial.
- Uma vez que Asahi se tornou essa abominação, não quero mais saber de sua existência. Bom dia. - Ao falar numa reverência, o mais velho se retirou.
- Deveria usar o que lhe resta de vida para ter a misericórdia que Deus lhe ensina. Afinal não tem muito tempo, hum?
Kazuma disse ao homem, podia soar rude em palavras mas não perdia postura ao dizer. Partiu da igreja, deu tempo de observar as diferenças do local, desde a primeira vinda após a guerra. Tomou o veículo para a viagem até a vila e partiu rumo ao suposto paradeiro.




Fazia calor, era primavera afinal, normalmente, Asahi estaria usando as roupas usuais, uma camisa, calça preta, porém naquele dia em específico era a celebração da primavera, então, usava um quimono azulado, segundo Akemi, combinava consigo, e embora não tivesse nenhuma vontade de ir ao evento, estava pronto para ele, que ocorreria no fim da tarde.
- Asahi! Asahi! 
Gritou a pequena que descia a montanha correndo.
- Pequena, não corra, o que houve?
- Acho que vai chover, bem que podíamos ficar em casa, não é? 
Asahi deu um sorriso a ela, meio de canto e deslizou a mão pelos cabelos compridos e negros da pequena, ela era tão bonita, e lembrava a si do outro, principalmente porque ela tinha o mesmo sotaque que ele, não era dali.
- Claro... Quem sabe sua mãe não nos deixe ficar.
- Não quer ir também? 
- Não... Sabe que não gosto de sair.
- Mamãe disse que você não quer ver os soldados da cerimônia. Não gosta de soldados?
Asahi deu a ela um sorrisinho e negativou.
- Não tenho nada contra soldados. Eles são muito bravos em nos defender. 

- Tenho medo das armas deles. 
O loiro riu baixinho e negativou, beijando a pequena no rosto.
- Vamos, coloque seu obi, se não puder deixar de ir, ao menos tem que ficar pronta.




Asahi não conseguira se livrar da festa, Akemi havia carregado a si junto das crianças, com a desculpa de que tinha que "se distrair um pouco" e assentia a ela, afinal, ela havia ajudado a si, então cuidaria das crianças para ela. Ao seguir rua abaixo, já avistou a cerejeira no centro da cidade, bonita, e as flores já nasciam, mesmo que ainda restasse um pouco de neve nas ruas. 
- Quero comer, Asahi-san! - Disse a garotinha.
- Hai... Vou te levar pra comer.
- Iie, eu vou com as crianças, você, tente se distrair um pouco, escrever um pedido para a árvore.
- Ah, sabe que minhas crenças são diferentes...
- É só um pedido. 
Ela sorriu e Asahi assentiu a ela, sem mais o que dizer. Seguiu realmente para a árvore onde pegou um pequeno papel. Observou a árvore, grande e bonita, havia uma em frente a igreja, mas havia apodrecido com as cinzas, não sabia que havia sido replantada. Negativou ao novamente se lembrar dele e fechou os olhos, pressionando-os enquanto fechados.
- Senhor? Quer uma caneta?
- Eh? 
Desviou o olhar a moça ali parada e assentiu, recebendo uma caneta em mãos, a qual usou para escrever o bilhete, e pediu, naquele pequeno espaço, que ele ao menos estivesse bem e feliz, mesmo que com outra família, mesmo que em outro lugar. Não acreditava mais que ele pudesse voltar para ver a si, na verdade, naquele um ano e meio, não acreditava que ele houvesse gostado de si um momento se quer, era aquele buraco que descrevera a ele, era um corpo quente para se aninhar a noite, nada mais. Mas aquele era o problema do amor, o amava de uma forma, que não se importava se ele havia sido um imbecil, ou se estivesse há mil quilômetros de distância, desejava que ele fosse feliz, mesmo que o próprio coração estivesse seco.



Kazuma parou o veículo ao chegar nos arredores da vila. O local parecia não haver resquícios do ano anterior, bem, estavam a seis meses para completar o segundo ano e sabia que aquele tipo de comemoração era uma forma de afastar lembranças ruins para alguns. O cheiro de comida era intenso, mas de flores também. Tudo tinha cheiro forte até mesmo o solo por onde caminhou, não tinha certeza se com o fluxo de pessoas seria mais fácil ou difícil de encontra-lo, mas ao menos poderia perguntar.

- General!
Dizia a voz que era rouca e delicada, embora tentasse o seu melhor para soar firme. A anciã seguiu para si portando algumas frutas em suas mãos, mas que tratou de desocupar de uma forma que pudesse prover um caloroso agradecimento, não se lembrava exatamente de seu rosto, mas o comportamento tornava evidente sobre o que tratava, era uma sobrevivente hospedada da igreja, com quem trocou algumas palavras e até lhe deu um lenço para evitar o choro. Estava com sua neta, também antes na igreja, para ela perguntou também do padre e soube dos boatos que haviam corrido, ainda que somente quisesse saber de seu paradeiro. Na despedida havia conseguido um endereço, aquele qual procuraria. Parou por um instante, buscando visualmente a direção onde havia deixado o veículo, tinha caminhado por lá e com a multidão sem um caminho certo, havia perdido a ideia de direção o qual viera. 

Num suspiro, Asahi prendeu o pequeno bilhetinho na árvore, que já estava cheia deles, e ajeitando os cabelos virou-se, voltando-se a pequena barraquinha de comida que fora colocada ali, atrás de Akemi e as crianças, porém, algo cessou os próprios passos antes que pensasse em chegar ao local. Era um vislumbre, na verdade, sabia que não poderia ser real, agora também estava tendo alucinações pelo visto, mas o via entre a multidão, seus cabelos curtos, raspados e embora quisesse acreditar que era somente alguém com o mesmo corte de cabelo, decidiu seguir em meio a multidão. Os passos rápidos passavam entre as pessoas, desculpando-se ao esbarrar com uma e outra e por fim, chegou ao destino, observando o rapaz de costas, parado, e a respiração cessou por alguns segundos, tivera que prendê-la, era como vê-lo novamente, era como tocar aqueles fios curtinhos de cabelo, era como abraçá-lo, sentir os braços dele, o peito, o coração batendo, quase sentia seu perfume no ar, seu cheiro. Num passo a mais, tocou-o no ombro, esperando ser apenas mais uma pessoa na multidão, mas no fundo, esperava que fosse ele...

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