Ryoga e Katsumi #16


Katsumi acordou sozinho, como de costume, e lá fora estava tão frio que podia cortar a pele se saísse sem roupas, mas era vampiro e não sentia mais a neve tão fria como antes, uma pena. Gostava de se enfiar de baixo da coberta quentinha, ainda podia fazer isso, mas não com tanta intensidade como quando era humano. O quarto estava escuro, embora fosse fim de tarde e a porta do corredor estava aberta. O quarto do garoto também estava vazio, ambos deviam ter se retirado, ele devia estar na escola, e o outro quarto estava aberto, dando passagem. Tinha apenas um berço, era grande e bonito, decorado de branco e dourado, a parede já tinha decoração, mas ainda estavam ajeitando. Pegou uma das roupinhas sobre o móvel e observou-a por um pequeno tempo, deslizando a mão por ela a sentir a textura gostosa, quentinha, parecia coisa de bebê mesmo. E num sobressalto jogou a roupa de lado ao ouvir a empregada que falou alto consigo.

- Senhor! Não devia estar aqui! Por favor, saia!
- O que? Mas é o quarto do meu filho...
- Não... Não, saia por favor, se Ryoga souber que esteve aqui, ele me mata!
O outro arqueou uma das sobrancelhas e assentiu, pegando antes de sair um pequeno sapatinho sobre o móvel e enfiou no bolso.
- Okay... Já saí. 

- Por favor, senhor, não conte pra ele.
Assentiu e observou a porta que fora fechada na própria cara. Estreitou os olhos e suspirou, acharia alguma outra coisa pra fazer. Seguiu ao quarto onde saiu na sacada e observou as nuvens que se tingiam de vermelho pelo por do sol com um pequeno sorriso no rosto, há tempos não via o céu, o sol, era agradável. Retirou o sapatinho pequeno do bolso e observou-o, não gostava de crianças, na verdade, não tinha jeito com elas e pensou que talvez seria um dos pais mais terríveis do mundo, não sabia o que fazer e isso era o que mais preocupava a si, os pais haviam deixado a si num orfanato quando pequeno, então cresceu sem nenhum tipo de carinho de ninguém, mas é claro que não contaria a ele, gostava do outro, mesmo, e queria que ele fosse capaz de gostar de si do mesmo modo, embora achasse um pouco difícil. Não se comparava as mulheres com quem ele saía, bonitas, altas e bem arrumadas, com um vestido que as deixava sem respirar certamente. Por um instante, ponderou que gostaria de caber em um vestido, talvez ele gostasse de si.
Guardou o sapatinho no bolso novamente e suspirou, não conseguia se decidir entre ir e ficar, todas as vezes que saía de casa e sentia o vento bater no rosto, era sufocante, se sentia indesejado, como sempre fora, um estranho morando na casa com ele e com o garoto que aprendera a gostar mesmo de um jeito diferente. Por um momento ponderou a sacada, era alto, mas não iria morrer, um tombo talvez, e doeria bastante do dia seguinte, depois ponderou em como era idiota ponderar uma coisa daquelas, e lutou consigo mesmo por um minuto inteiro. As cicatrizes que tinha no corpo se fecharam, não sentia mais a dor por muito tempo, nem nada diferente, tinha um coração machucado, embora coberto por uma camada grossa de gelo, era estranho, distante e era obvio, ninguém gostaria de si. Um estorvo, era a própria definição. Sentiu os raios que tocaram a pele, primeiro a mão e subiram pelo braço, os últimos, que quase se escondiam atrás de um prédio ao longe, mas mesmo assim, deixaram o rastro queimado e fechou 
os olhos, esperando por um longo segundo enquanto sentia-se queimar em pequenas partes do corpo de acordo com a exposição ao sol e suportou a dor, em silêncio.
Ryoga deixou o garoto na escolinha, era tímido mas se enturmava sempre que chegava, timidamente, do seu jeitinho retraído, mas era evidente que se animava ao estar por lá. Ganhou um beijo no rosto em despedida e um até logo papai. O sol não transpassava pelos vidros do carro ao deixar o estacionamento escuro do lugar. Mas mesmo assim usava óculos para dirigir. Quando finalmente chegou em casa, abriu a porta automática da garagem e enfurnou-se no escuro novamente, evitando o sol que se esvaia aos poucos, quase morrendo atrás da noite. Seguiu tão logo para dentro de casa, observou a senhorinha que arrumava as poucas coisas fora do lugar, antes que voltasse a hibernar em seu quarto. E por falar em quarto, seguiu para o próprio. Pôde notar os raios suaves de luz, e estreitou os olhos, evitando a claridade natural. Mas observou o outro, na sacada, tomando o sol em sua pele. Por um momento não entendeu a questão. Que porra fazia ali? Perguntou a si mesmo e encostou-se no limiar da porta, fitando-o ali por algum tempo até finalmente se manifestar a respeito daquilo.
- Enlouqueceu?
O menor se assustou com a voz do outro, tirando a si dos pensamentos que tinha e virou-se a observá-lo, caminhando rapidamente para dentro e fechou a porta, assim como as cortinas, e o resultado foram as marcas de vermelho vivo no braço e na bochecha, que nem havia percebido a dor, até entrar no quarto, quando queimou realmente. Fechou os olhos, tentando evitar a dor na pele e gemeu dolorido, porém acostumado desviou o olhar a ele e piscou algumas vezes, era óbvio que para um vampiro a dor de uma queimadura de sol não era a mesma que uma chicotada nas costas que era comum com ele.
- Tudo bem.
Murmurou a ele e abaixou a cabeça, evitando o olhar do outro e seguiu até o banheiro em passos rápidos. Era um idiota realmente, queria de alguma maneira sentir o sol sobre a pele, embora não tivesse realmente pensado sobre as consequências, obviamente já havia desistido da ideia ridícula de se atirar da sacada, não faria isso, mas ninguém entenderia o porque do próprio pensamento. A exposição ao sol, obviamente podia causar algum mal ao filho, se estivesse muito tempo, mas como fora menos  
de um minuto, certamente nada havia ocorrido e nem quis pensar nisso.
Ryoga o e
ncarou enquanto se colocava rapidamente para dentro do quarto, fechando cortinas, porta e tudo o que podia a evitar o clarão do sol, que mesmo embora escasso, ainda existente. O olhar que lhe deu era evidentemente contrariado, evidentemente emputecido, e ele sabia disso, ao abaixar a cabeça e esconder suas feridas, a fim de correr ao banheiro e esconder-se, não sabia se era medo ou se era vergonha, esperava que fosse a segunda opção. E enquanto aguardava sua saída, sentou-se numa poltrona no quarto e encarou a porta, esperando-o ao lado de fora.
Katsumi observou-se em frente ao espelho e arqueou uma das sobrancelhas, havia realmente se distraído com a luz solar e negativou para si mesmo. Não sabia o que fazer com as feridas, não era vampiro nascido e nunca havia tomado sol, e era óbvio que no banheiro não teria nenhuma espécie de sangue para tomar ou tentar passar pelas feridas. Pegou uma pequena gaze guardada no armário, para o caso do garoto se machucar e usou-a para limpar a pele machucada, sem sucesso, já que arrancou pedaços de pele em conjunto e teve que morder a boca para não gemer ou gritar de dor ao sentir a pele se desprender do rosto.
- Merda...
Murmurou e buscou o roupão por ali que colocou sobre o pijama, cobrindo os braços feridos e usou uma das máscaras na gaveta para cobrir a bochecha e saiu do local.
O maior cruzou a perna, tal como os braços e encarou-o após sua saída. Sem dizer nada, o observou durante algum tempo, fez questão de estampar ainda mais a sua estupidez na própria feição.
- E aí, sentiu alguma coisa legal? Deu uma onda pelo menos?

- Ah vá.
O outro falou e desviou o olhar, sentando-se na cama e ouviu o barulho do pequeno sapatinho rolar no chão. O maior d
esviou o olhar ao sapatinho, posteriormente retornou a fitá-lo e não disse nada sobre a peça.
- Ah vá? Que porra estava fazendo? Perdeu a noção?

- Estava um pouco no sol, perdi a consciência de que ia me fazer mal, somente isso.
- Está esfolado. Não tem que perder a noção, se você sentir dor o bebê sente dor também. O que porra há com você? Tem estado melancólico há dias, ou melhor, quase desde o dia em que viera para cá. Passa o dia isolado, como se eu quem o isolasse. Pensa merda o tempo inteiro, como se eu não pudesse sentir a merda das sensações que você tem. Está infeliz? Quer ir embora? Não quer o bebê? Porque pra iniciar essa conversa, mesmo que houvesse mentido no começo, você preferiu mentir pra chegar até aqui, então... Qual o problema?

Katsumi arqueou uma das sobrancelhas a observá-lo e retirou a máscara e o roupão, deixando-os de lado.
- Eu gosto de você, é por isso que eu estou aqui. Basicamente. Foi por isso que eu fingi a gravidez e por isso eu fiquei realmente grávido, por ser um idiota. E é exatamente assim que você me trata. Eu sou uma barriga que está gerando o seu filho, porra nenhuma a mais. É por isso que sai todos os dias com uma mulher diferente, porque eu não sou nada. Eu era assim antes de conhecer você, um idiota que "pensa merda o tempo inteiro". Aliás, não penso merda o tempo inteiro porque a maior parte do tempo estou pensando em você e em como gosta desse bebê e não de mim. Não se preocupe, assim que ele nascer eu vou embora e deixo ele com você. Porque desde que essa gravidez começou eu tenho me sentido um idiota, meio... Triste o tempo todo, um inferno!

Ryoga se levantou, e caminhou até ele, não pensou muito antes que desferisse um tapa em seu rosto, não tão pesado quanto um soco, mas quase valia por um.
- Você é idiota? - Retrucou, infeliz com seu comentário. - Deixa ele comigo? Foda-se, pode deixar ele comigo e ir embora, isso só mostra o quão imprestável você seria como um pai dessa criança, a ponto de simplesmente falar "deixo ele pra você". Vai se foder, Katsumi. Eu não saio todos os dias com uma mulher, eu trabalho. Tenho negócio a cuidar, se você não percebeu exceto o horário de trabalho, o restante do tempo estou aqui com você, seu otário. Se eu achasse uma simples barriga eu pegava alguma puta por aí pra gerar um filho pra mim. Tenho o Erin também. Ou então, poderia somente deixá-lo na sua casa e pagar pra cuidar dele como se deve. Quando conheci você, você pelo menos parecia animado, extrovertido, agora parece depressivo, como se fosse abandonado num canto. Eu não sei o que fazer com você, Katsumi, eu gosto de você, gosto de você, porra. Só que você está agindo como alguém que eu não consigo gostar.

O menor arregalou os olhos ao sentir o tapa sobre a parte machucada do rosto e uniu as sobrancelhas, guiando a mão sobre o local rapidamente e pressionou, tendo que se apoiar na cama para tentar lidar com a dor. Ouviu em silêncio o outro e desviou o olhar, assentindo em seguida, sem saber o que dizer, e estava certo. Assentiu e sentou-se na cama, abaixando a cabeça.
- Desculpe... Talvez sejam meus... Hormônios.

- Não me venha com essa. "Desde que a gravidez começou tenho me sentido um idiota, triste", quando esse bebê nascer, quero que olhe bem para o rosto dele e pense nessa merda que disse. - Retrucou e pegou a garrafa de vinho, com o sangue e serviu para ele numa taça. - Beba.
Katsumi estreitou os olhos a observá-lo e pegou a taça em silêncio, na impossibilidade de se levantar e sair do quarto e bebeu alguns goles do sangue junto a bebida.
- Vai me olhar assim, ah?
- Não estou olhando de jeito nenhum.
- Está estreitando a porra dos olhos. Você sabe que está sendo babaca e espero que pare com essa merda, não quero ter que discutir sobre isso novamente.
O menor assentiu e bebeu os últimos goles do vinho, entregando a taça a ele.
- Tome tudo, cicatrize essa cara.
Ele pegou a garrafa e bebeu dela alguns goles da bebida com o sangue, deixando-a de lado logo após.
- Vai melhorar.
- Vista uma roupa. Vou te levar num lugar.

- Onde vamos?
- Vou te levar pra conhecer um lugar.
O menor assentiu e levantou-se, mesmo ainda a sentir a ardência no rosto devido ao tapa e seguiu ao armário, pegando as próprias roupas enquanto sentia aos poucos a face cicatrizando, fechando as feridas.

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