Kazuma e Asahi #56


Na manhã seguinte, Akemi havia acordado cedo para ir até o centro, e adentrou o quarto do loirinho para chamá-lo para acompanhá-la. Asahi já estava acordado quando ela entrou.
- Eh? Mas... Não dormiu, padre?
- Iie, eu... Faz um tempo que não durmo mais do que três horas por noite.
- Por quê?
- Eu tenho pesadelos. - Asahi sorriu, meio de canto.
- Ah... Eu estou fazendo o café para seguirmos até o centro, tudo bem?
- Claro, eu estarei na sozinha em um minuto.
Assentindo, Akemi seguiu para fora, estava preocupada com ele, mas nada podia fazer quanto a sua situação, somente poderia distraí-lo, levá-lo para um passeio, algo que pudesse esfriar sua cabeça. Na mesa do café, tudo que Asahi fez foi dar algumas mordidas em uma maçã, nem o chá, que era o favorito, não bebeu. Geralmente se alimentava sem reclamar, mas naquele dia especificamente, estava um pouco sem fome. O sonho ruim havia arrancado a si da cama antes do esperado, fora tão terrível, que se lembrava de estar sentado no chão do quarto duas horas depois de pegar no sono. Era algo recorrente, estava sozinho onde antes era sua base, e se sentava na campina vazia.
- Bem, vamos indo, podemos levar alguns lanches para a viagem, você me ajuda a embalar?
- Claro, sem problemas. Alguém virá conosco?
- Não, só nós dois.
Após os lanches prontos, Asahi os guardou em sua bolsa, era algo discreto que carregava consigo. A cidade não era longe, na verdade, era só subir uma rua, embora fossem alguns bons minutos de caminhada, não era tão afastado assim. Mesmo assim, Akemi decidiu por pegar carona em uma liteira. Asahi se sentou ao lado dela e enquanto apreciava a viagem, tentava espantar os pensamentos estranhos.
- Veja, teremos muitas flores esse ano na primavera. As cerejeiras estão lindas!
- Ah sim, eu podia ver algumas da janela do meu quarto na igreja.
- Haviam algumas no terreno, não?

- Sim, haviam algumas aos arredores.
- Gosta delas?
- Gosto, são bonitas.
 O loiro sorriu, e como todos os seus sorrisos, algo faltava neles, ela podia ver, mas preferiu nunca comentar. A cidade parecia lotada naquele dia, muitas pessoas transitavam pela feira, escolhendo frutas e folhas, algumas carnes que eram vendidas nas barracas mais populares, Asahi gostava de visitar a feira, ela algo que o fazia bem, mas até olhar as barracas, irritava a si. Era como se a guerra nunca tivesse acontecido, como se o mundo tivesse simplesmente apagado tudo, e embora soubesse que a guerra estava viva no rosto dos órfãos e das pessoas que haviam ficado sem casa e agora transitavam perto de um certo de refugiados, ainda assim, era estranho. Por um momento sentiu como se aquela feira não devesse existir, como se as pessoas devessem se manter em luto, como ele de certo modo se mantinha.
- Asahi-san, eu irei olhar as frutas do outro lado, você ficará bem sozinho?
- Sim, não se preocupe. - Sorriu.
Distraído, Asahi observava uma barraquinha de artesanato, a artesã carregava nos braços uma pequena menina com os cabelos bem negros, os olhos tinham cor de ameixa.
- O senhor quer levar um presente? Talvez para sua amada.
Os olhos percorreram o rosto da mulher por um momento e em seguida silenciou-se, acenando com a cabeça a seguir para uma próxima barraca. Iria de uma em uma, nem um pouco interessado em nada, afinal, tinha apenas algumas moedas no bolso, dadas por Akemi, não as gastaria em vão. Na terceira barraca que visualizou, atencioso observava os peixes frescos que um pescador se gabava por ter pescado a pouco, as cores dos peixes, já indicavam um pouco o contrário, mas não disse nada, até ouvir uma mulher ao lado de si.
- Sabe me dizer se estão mesmo frescos?
Asahi desviou o olhar a ela e processou sua frase por um momento, não porque estava tonto ou porque não havia ouvido direito, mas sim porque o vislumbre de um uniforme negro havia sido visto por trás das barracas.
- Senhor? ... Tudo bem?
- Olhe os peixes nos olhos, os que tiverem olhos turvos não foram pescados agora.
Dito, rapidamente ele se esgueirou entre as barracas, e fora um caminho longo pelo meio das pessoas, empurrando alguns braços até alcançar o que achou que havia visto, e de fato, ali estava, um militar parado, fardado perto da igreja. Conhecia bem aquela farda.
- Com licença! ... Com licença!
- Sim? Posso ajudar?
Respondeu o rapaz, solitário em sua farda, enquanto limpava o quepe para voltar a colocá-lo sobre a cabeça.
- Me desculpe, mas... Kazuma... Não, não... Sakurai, Sakurai Kazuma, você o conhece?
O rapaz permaneceu um tempo pensativo.
- Fala do general?
- Sim! O general! Ele está com você?
Os olhos tinham lágrimas, estava inquieto, precisava saber, e o rapaz parecia analisar a expressão no rosto do loiro, como quem estivesse buscando saber o que ele tanto precisava falar com o general do exército japonês. A guerra já havia diminuído, mas ainda podiam existir soldados chineses, então os soldados continuavam por ali, claro, não fazia ideia.
- Sim, é claro.
- Pode me levar até ele? Eu... Eu tenho dinheiro, quer dizer, eu tenho pouco dinheiro, mas...
O loiro retirou as poucas moedas do bolso, contando mentalmente, não havia mesmo muito, mas o que tinha, deixou sobre as mãos do guarda que fitou as moedas curiosamente, sem intenção de devolver, guardando no bolso em seguida.
- Venha comigo.
Asahi assentiu, e por um momento, o coração havia pulado no peito, realmente veria Kazuma? Será que ele estaria por perto? Nem sabia como iria reagir ao vê-lo, para si, pareciam vinte anos, embora soubesse que haviam sido apenas alguns meses. Já podia sentir as lágrimas nos olhos. O guarda seguiu pela rua, passando no meio dos civis e nada disse, mal olhava para o rapaz que o seguia quase de modo desesperado, mas mantinha certa distância. A essa altura, Asahi nem sabia mais onde Akemi estava.
O rapaz que o guiava, finalmente se afastou da feira, e num caminho em meio as árvores, virou-se para observar o loiro, que não havia de fato estranhado uma trilha como caminho, afinal, Kazuma costumava ficar com sua base numa campina. O guarda não se importava de fato com o que fazia o loiro, estava na verdade, constando se sua presença ainda existia, se ele não havia seguido para outro lugar na metade do caminho. Asahi ainda se mantinha firme em sua caminhada, passando em meio a algumas árvores junto do rapaz. O torpor havia tomado conta de sua cabeça, não pensava em mais nada, só em ver o rosto dele de novo.
Num certo ponto, o rapaz parou de andar e consequentemente, Asahi também, o loiro o fitava curioso, a respiração ofegante e os olhos estavam quase vidrados. O guarda olhou em volta, num olhar curioso, tentando ver se alguém ainda observava a ambos, e tudo que ouviu foram os sons da floresta.
- Onde ele está? A base está aqui perto?
O rapaz deu um sorriso sínico e em alguns passos se aproximou do garoto até agarrá-lo em seu pulso.
- ... O que está fazendo?
Asahi o fitou, indagativo, ele não podia fazer ideia do que estava acontecendo, na verdade, havia se esquecido como era ser um cordeiro em meio a um monte de lobos, não pensou em nenhum momento que alguém como ele pudesse ter alguma malícia para consigo, até que o rapaz guiou a mão até a calça, deslizando o zíper para baixo.
- O que diabos você está fazendo?!
- O que você quer com o general do exército, ah? Sabe o nome dele inteiro e tudo, coisa boba não deve ser.
- M-Me solte, seu insolente!
- Eu não vou te soltar, você vai me mostrar o que queria fazer com ele.
Por um momento, Asahi sentiu sua cabeça rodar, estava confuso, todos os sentimentos haviam se confundido em sua cabeça, e o homem falava de modo distante, mesmo enquanto tentava soltar o braço, não podia ouvir nem a própria voz. Fora tomado por um silêncio estranho dentro de si, que estava de certa forma repelindo aquela situação, não devia, precisava pensar claramente para lidar com aquilo naquele momento.
- O que está acontecendo?
Aquela voz, ele havia escutado. Atrás do homem, havia surgido outra farda preta, os cabelos negros e curtos eram escondidos pelo quepe, tinha olhos castanho escuro.
- Kazuma...
Asahi olhou o rapaz, em sua cabeça, via exatamente a imagem dele, mas não havia nada de Kazuma naquele homem. Ele arqueou uma das sobrancelhas e puxou o guarda por sua farda, jogando-o no chão.
- Que merda está acontecendo aqui, Izuki? Que porra você estava fazendo com o garoto? Quem é você, rapaz?
Por um momento, Asahi teve que tentar se lembrar do próprio nome.
- Asahi... Asahi.
- Asahi do que?
Havia um apagão na mente de Asahi, só então havia se dado conta de que não havia um sobrenome, havia sido adotado, não tinha mais nenhum sobrenome.
- Só Asahi.
- ... Fique aqui, seu filho da puta, e tire essa farda, você não merece usar isso, seu imundo. Sabe das nossas ordens e ainda assim você tenta machucar um civil?
- S-Sim senhor.
- Venha rapaz.
O moreno havia segurado Asahi pelo braço, largando o guarda no chão, pôde ver sangue no nariz dele, quando ele havia levado um soco?
- Você está bem, garoto?
- Sim senhor... E-Eu tenho vinte e sete anos.
- Vinte e sete? Parece um garotinho.
Asahi negativou, porém, com ele seguiu para fora da aparente floresta até que pudesse ver a feira novamente, e Akemi esperava a si, agarrada em seu vestido simples demais.
- Asahi-san, você quase me matou do coração!
- Akemi...
- Ele está com você?
- Sim senhor, ele mora comigo, o que aconteceu?
- Sinto muito senhora, ele se perdeu na floresta.
Asahi desviou o olhar a ele, não entendia porque ele havia mentido, mas o olhar que ele dava para si indicava que deveria manter em segredo o que havia acontecido, não disse nada.
- Vamos voltar pra casa, Asahi. Precisamos ir.
- Espero que fique bem.
Fora o que o rapaz disse para o loiro, mas Asahi não estava contente com o que havia acontecido. Sem pensar, seguiu rapidamente de volta para o homem, e o agarrou em seu braço.
- Senhor, por favor... Por favor, Sakurai Kazuma, você conhece?
Ele fitou Asahi como quem olharia uma criança insolente. O garoto não parecia nem um pouco afetado pelo que havia acontecido há pouco.
- O general? Sim, o que precisa?
- Onde ele está? Ele está no Japão? Por favor, me diga, eu... Onde posso encontrá-lo?!
- Garoto, o que o general poderia querer com alguém como você? Sakurai-san está com seus soldados em Kyoto, ele voltou para encontrar sua família, não há mais nada para ele aqui.
Por um momento, Asahi ainda segurava o rapaz em sua manga, o observava como se acabasse de levar um soco no estômago.
- Agora me solte.
Como o loiro não parecia querer soltá-lo, o rapaz moveu o braço, afastando Asahi de si, e negativou a ele como se de fato fosse uma criança importunando uma adulto ocupado. Logo após, sumiu novamente em meio as árvores.
- Asahi-san... Seu braço está cortado, me deixe fazer um curativo... Asahi-san?
Asahi estava em sua bolha, novamente não podia ouvir a voz dela, era como um pesadelo que não terminava, no peito havia um buraco muito grande para ser preenchido com alguma coisa, e no fim, se levantou num impulso e correu em direção a floresta novamente.
- Asahi! 

Compartilhe:

DEIXE UM COMENTÁRIO

    Blogger Comment

0 comentários:

Postar um comentário