Nowaki e Tadashi #42


- Coloquem ele aqui. 

Disse o médico que ajudava a acomodar o garoto da maca para a cama de hospital e já colocava o soro em sua veia, analisando os batimentos cardíacos que caíam a cada segundo. O garoto estava tendo uma parada cardíaca. Talvez não a primeira desde que começara a usar drogas, havia estado limpo cerca de dois meses atrás, mas não estava mais. O corpo que antes havia adquirido suas formas medianas, agora estava magro de novo, o braço tinha várias marcas arroxeadas, as roupas, que haviam sido compradas pelo namorado agora novamente estavam sujas. Dessa vez, não só usava drogas, talvez fosse uma atitude meio drástica consigo mesmo, porque era bipolar, sentia como se todas as coisas houvessem desabado, e era própria culpa mesmo, de mais ninguém.
O pulso direito tinha sido aberto, quer dizer, agora estava sendo fechado pelo médico, atencioso a melhora do garoto, não era o outro quem cuidava do menor mais. Na verdade, ele nem devia saber que estava ali. Os barulhos pela sala, a voz do médico, tudo indicava que a vida estava por um fio novamente, e era incorrigível, ganhava o dom de viver para corrigir o erro, mas persistia em tentar se matar, como se a vida não fosse boa o suficiente, como se não pudesse seguir em frente sem um pilar para se apoiar.
Desde que saíra da casa de seu amigo, havia feito todas as decisões erradas. Havia voltado ao abrigo, mas ao contrário do que teria feito antes, apenas se acomodou em uma das camas ao canto, sem falar com ninguém, e o pouco dinheiro que tinha, havia usado para as drogas, mais nada. Acordava, dormia, sem perspectiva, até furava os braços sem se importar com as agulhas, até cansar de ficar preso a uma cama e decidir despedir-se. Duas vezes, havia passado em frente a clínica dele, via o carro, sabia que ele estava lá, mas não era forte o suficiente para seguir atrás dele de novo, o conhecia, sabia que não iria querer ver a si e era uma droga, amar alguém e se sabotar desse jeito, se destruir, não ser capaz de largar um vício que só destruía a própria vida.
Haviam se passado três dias, e Tadashi havia acordado ligado a diversos aparelhos. Fora mais um fracasso, e não aguentava mais ser um deles. Negativou consigo mesmo, enquanto tentava se acostumar com a luz no teto, branca, forte.

- Você quase morreu, rapazinho. Está com sede?
O menor assentiu, sem nada dizer, sentindo a boca seca e fora servido pelo médico com um pouco de água com um canudinho. 
- Melhor? Qual é o seu nome?
- Tadashi... Hamada.
- Hum, você já tem ficha aqui. É o garoto do Nowaki não é? 
O menor manteve-se em silêncio por um momento, e lembrava-se vagamente da voz do outro, não era mais o garoto do Nowaki.
- Não quero que ele saiba que eu estou aqui. 

- Não? Tudo bem. Você precisa ficar um tempo, para se limpar. Não posso deixar você ir embora sabendo que tentou se matar. 
- ... Doutor, então por favor, me mate o senhor. Assim que eu sair daqui eu vou fazer isso de novo.
- Não diga uma bobagem dessas. Ainda mais agora, você tem que se cuidar, não pode fazer isso consigo mesmo.
Tadashi deu um sorrisinho e desviou o olhar ao teto, negativando ao sentir as lágrimas nos olhos.
- O que houve com você, garoto?
O menor silenciou por um momento, mantendo o olhar fixo naquela parede branca, intocada.
- Tudo de ruim que o senhor pode imaginar, doutor.
- Não acredito que tenha vivido tanta coisa com apenas essa idade. Sabe, sua vida pode melhorar se sair das drogas.
- Eu já ouvi esse discurso antes. Já saí das drogas, fiquei limpo por meses. Fiquei limpo, arrumei um emprego, um namorado... Mas não importa o quanto eu me afaste dessa maldita droga, ela sempre volta pra minha mão de uma forma ou de outra, e ele não está mais disposto a cuidar de um pirralho drogado.
O médico fez uma pausa após ouvi-lo, concentrando-se na medicação colocada na veia do menor.
- Você vive me função dele?
- Ele é tudo que eu tenho, doutor. Aliás... Ele era. Minha vida já não faz mais sentido.
- O que te mantinha vivo antes dele aparecer?
Tadashi desviou o olhar ao rapaz de branco, analisando suas feições, não parecia o tipo de pessoa que realmente estava discutindo sério com um garoto, provavelmente ele achava que era um idiota falando besteiras, afinal "era tão novo".
- Quando minha mãe me abandonou, eu tinha alguns amigos pra me apegar. Acha que eu não vivi um inferno só porque tenho dezoito anos, doutor? Quando eu nasci, minha mãe tentou me jogar fora. Me colocou numa sacola, mas minha vó não a deixou dar pra ninguém, obrigou minha mãe a ficar comigo. Eu apanhava dia sim, dia não, quando ela se bebia e se drogada então... Eu não podia nem entrar no quarto dela. Eu mal tinha o que comer porque ela não comprava comida, e eu precisava pedir para os vizinhos. Eu vivia cheio de marcas, machucados e a gota d'água foi quando na escola descobriram meus machucados por baixo da roupa. Iria para um orfanato de não fosse obrigado a dizer que ela não me machucava de fato, pra conseguir ficar na minha casa. Eu trancava a porta a noite, de dia, todos os horários até ir pra escola. E quando consegui sair de casa, não tinha um centavo no bolso. Acha que eu não vivi um inferno por ter dezoito anos?!
O médico permaneceu em silêncio, observando o garoto, e só então havia entendido que parte de seus machucados no braço não eram obra dele mesmo, mas de sua mãe e de fato, havia vivido um inferno.
- Será que o senhor pode... Por favor, acabar com isso? Ninguém vai saber, diga que eu tive um ataque cardíaco, diga que morri tentando fugir, diga qualquer coisa.
- Não posso fazer isso. Você precisa dar a volta por cima, e ensinar seu filho a ser diferente do que sua mãe fez com você. 

O menor fizera um minuto de silêncio tentando entender o que ele havia dito, estava sonolento, enjoado, afetado pela droga e ouvia sua voz bem a fundo na cabeça, talvez estivesse sonhando, poderia estar.
- O que você disse?

- Que não pode fazer mal ao bebê...
- Mas que bebê?  
- Você não sabe ainda? Hum, me desculpe... Você está grávido, Tadashi.
- ... O que? - Disse o menor quase num salto da cama.
- Sim, acredito que uns três meses. Está muito desnutrido e perdendo peso, se continuar assim, ele vai morrer, por pouco não o matou hoje. 
- ... Doutor, eu não... Não posso estar...
- Por quê? 
- A última pessoa com quem eu fiz isso... Já nem sabe mais que eu existo.
Nowaki não havia tido notícias do outro há algum tempo. Haviam terminado daquela forma inacabada, sem desfecho. Não o havia expulsado de forma definitiva da própria vida, mas havia acabado daquele jeito, não sabia sequer onde morava uma vez que saíra da casa de seu amigo onde antes costumava estar. Fitou o celular que apitava com notícias costumeiras da clínica, havia tirado um tempo de férias após algum tempo sem elas, férias estas que nunca eram de fato férias, qualquer caso mais complexo e era requisitadas autorizações ou assistência, havia sabido de algum paciente recente problemático, mas após alguns meses com pacientes que não eram ele, havia criado alguma esperança de que houvesse tomado jeito e foi por isso que não desconfiou de sua chegada por lá.

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