Kazuma e Asahi #1


O rapaz novamente havia se encolhido no pequeno sobressalto devido ao barulho alto fora do local, certamente, mais uma bomba jogada em algum lugar à distância, mas que mesmo assim, fazia estremecer o chão da igreja. Tudo estava em ruínas ao redor, mas ao menos ali, era seguro. Na verdade, até quis fugir, mas naquela altura, não conseguiria mais, precisaria de vistos para sair do país e várias outras coisas, sem contar que mesmo sendo um padre, seria morto antes que saísse. O fato é que não tinha medo, sabia que se a vontade de Deus fosse levar a si, iria de bom grado, então apenas ficava ali, ajoelhado duas vezes por dia, enquanto rezava em silêncio.
Levantou-se logo ao terminar as orações diárias e ajeitou o crucifixo dourado ao redor do pescoço. Os cabelos loiros e curtos estavam cortados de modo meio desajeitado, afinal, como todos haviam ido embora, tivera que cortá-los sozinho, por sorte, tinha um pouco de noção de como fazê-lo. Somente uma pessoa havia ficado consigo, outro dos padres, que agora corria pelos corredores da igreja em direção a si.

- Senhor! Asahi! Temos que sair daqui! Explodiram outra bomba! Quanto tempo temos até morrer?
- Eu não ligo se quiser ir, eu vou ficar.
- O que? Não! Não vou deixar você se matar!
- Shiro, por favor, vá se acha que é isso que deve fazer. Eu tenho que ficar para manter a igreja sempre aberta para os que desejam visitá-la.
O padre falou a andar em direção à porta, e mais um passo sentiu o chão estremecer novamente. O vitral da parte de cima caiu com um estrondo sobre o chão em frente a si e por sorte, serviu de escudo para proteger o outro. Fechou os olhos, recuando alguns passos, porém sentiu cada um dos pequenos cacos que rasgaram a pele ao voarem pelo ar, embora não tivesse esboçado reação nenhuma em relação aos cortes deixados.

- Asahi! Você está bem?! Está vendo? Temos que ir! E Asahi sentiu a mão do outro sobre o próprio braço, porém se desvencilhou num puxão.
- Shiro! Pegue suas coisas e vá. Sabe que isso não me afeta. Só minha mente pode ser afetada, e ela está em paz.

- ... Prometa que vai se cuidar.
Ele Assentiu.
- Vou estar rezando por você.  
Logo após, seguiu com o amigo para o porão, quando já pronto para partir e de fato, estava aflito por estar sozinho. Tinha comida, mas até quando? Até quando teria aquela sorte da igreja estar intacta? Suspirou, segurando as mãos dele em meio as próprias e logo se despediu, vendo-o correr entre as cinzas dos prédios derrubados pelos militares, devastados pela guerra. Em passos rápidos, voltou para dentro e logo subiu ao próprio quarto, onde ajoelhou-se em frente ao espelho, como de costume e ali limpou as feridas, com a ajuda de um algodão e álcool para esterilizar os ferimentos. Nem piscava, continuava a olhar a si, em silêncio até que todas as feridas estivessem devidamente limpas. Levantou-se, agarrando-se com uma das mãos ao crucifixo preso ao pescoço, novamente e seguiu para fora, descendo as escadas, quando cessou no fim, dando de frente com o rapaz ajoelhado ali com apenas um dos joelhos, o outro pé, apoiava-se firme no chão. Era um militar, ou estava vendo coisas? E se era, o que fazia numa igreja? Parecia rezar, mas nenhum militar o fazia, nenhum dava importância. Por um momento, pensou em retornar e subir as escadas, mas ele parecia já saber que estava ali, já que desceu as escadas com ruído e mesmo assim, nem se moveu, então curioso, deu passos a frente e parou, impassível em frente a ele, em silêncio, até que terminasse suas orações e pudesse ver seu rosto.
O rapaz abaixou-se com o peso sobre um dos joelhos, onde outra perna erguida servia ao apoio do antebraço em descanso junto ao quepe na mão. E aquela era a única ocasião o qual se curvava. Não era um católico, mas tinha algo em que acreditar e para isso, pensava, qualquer casa religiosa poderia servir em tempos de guerra. O ruído se estendia pelo cômodo cujo piso de madeira rangia ao ser pisoteado, ainda assim não tirava a atenção das palavras não proferidas, mentalizadas. Quando finalmente se deu por satisfeito, ergueu o rosto abaixado em respeito, e antes que pudesse fitar a quem estava por lá, voltou a levar o quepe militar sobre os cabelos negros parcialmente raspados e se levantou, tornando-se defronte o provável senhorio daquele lugar. Encontrou logo a frente um rapaz jovem, devia ter por volta de trinta anos. Os cabelos desfiados com um corte com não muito zelo, e embora não parecesse em impecável forma, parecia suportar bem o mundo em guerra fora da igreja, que não era diretamente atingida. Ainda que os homens não fossem bons e que houvesse crueldade estourando em cada canto do país, nem todos haviam perdido sua humanidade e sua crença, ou talvez algo a crer fosse apenas um refúgio para o fim do dia.
- Padre. 
O padre fez uma pequena reverência ao rapaz ao vê-lo se levantar e só então observou seu rosto, e por um momento pensou ser o rosto mais bonito que já havia visto, todas as suas linhas, eram bem desenhadas, porém negativou consigo, tentando afastar aqueles pensamentos de si, não devia tê-los sendo um homem de Deus, bem, ao menos achava que era inocente.
- Senhor...? 

- Somente você ocupa esta igreja?
Indagou o maior ao homem enquanto conferia o uniforme sobre o próprio corpo, alinhando a veste militar. Tão logo recompôs a postura e cruzou os braços atrás do corpo, fitando o padre, não deixando de admirar o fato de que ainda trajava sua batina em perfeito estado. 

- Sim senhor... - Murmurou o padre loirinho e aproximou-se mais de seu uniforme, tentando enxergar o nome gravado. - ... Sakurai. 
O moreno fitou-o por cima ao notar a tênue curva que formulou a fim de estar mais próximo ao uniforme e assim conferir o nome antes de completar o que dizia.
- Imaginei que todo o corpo da igreja habitaria, parece que a fé grandiosa - Disse, sarcástico evidente. - não lhes era suficiente. Imagino que existam muitos quartos bons por aqui. 

Asahi abriu um pequeno sorriso, de canto.
- De fato. Muitos foram embora com medo das bombas. Não tenho medo delas, por isso fiquei. Se Deus tiver que me levar, ele levará de um modo ou de outro. - Arqueou uma das sobrancelhas ao ouvi-lo. - Aposto que soldados também tem bons alojamentos. 

- Não sei se a causa é nobre ou se é ingênuo. Certamente.
Concordou ao comentário seguinte, notando o que pensava o padre, no entanto não sentia necessidade de prosseguir o interesse a respeito de seus quartos. O loiro s
orriu, meio de canto.
- Mas, nossos quartos estão sempre abertos aos que precisarem, assim como nossa comida e água.
Ainda tem mantimentos o suficiente? 
- ... Pouco, mas... Tudo está a disposição. Não me importo de dividir. 
O moreno observou algum tempo e no entanto assentiu somente ao olhar o jovem padre.
- Padre.
Disse num tom de cumprimento, despedindo-se do senhorio da grande igreja. O menor o
bservou seu rosto bonito por alguns instantes e uniu as sobrancelhas.
- Você... Veio só para rezar? 

- Verificar se haviam habitantes.  
- ... Vocês vão me tirar daqui?
- Não há porque tirá-lo daqui.  

O menor suspirou, aliviado e assentiu.
- C-Certo.
Falou o padre e tentou manter-se impassível de mesmo modo, mas ao olhar para ele, só conseguia imaginar as atrocidades que ele podia fazer lá fora todo o tempo, com as mulheres perdidas. Negativou, de qualquer forma, era um padre, tentava achar que todos erravam, mas ainda incomodava aquele fato.
- O que está fazendo?
Indagou o maior ao notar o ar julgar em seus olhos castanhos.

- Eh? Nada, nada. Precisa de mais alguma coisa?  
- Não. - Disse um pouco ríspido talvez. - Até logo, Padre. 
O padre assentiu numa pequena reverência e manteve-se ali parado, até que ele saísse. O maior seguiu direção igreja à fora, deixando para trás o padre assim como sua grande habitação. Seguiria com os planos àquele lugar, não se demoraria para voltar ali, quisesse o jovem padre ou não. 

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