Yuuki e Kazuto #1


A pele e tuas células mortas, o corpo frio adquiria a tonalidade rósea e o calor quase humano, os olhos, que a minutos atrás eram negros, pareciam refletir a luz das luminárias da rua, ou talvez aquela esfera imensa no céu tão escuro quanto seus olhos já foram um dia, mas agora, o tom rubro possuía a mista tonalidade do amarelo, tão reluzente que chegava a ser dourado, mas somente pequenas gotículas e pontos de luz, pois aquele olhos estavam tão vermelhos quanto o sangue que escorria entre os dedos que segurava a vítima pelo pescoço, cravando a pele do garoto com as unhas afiadas, tão cortantes quanto o vidro e tão resistente quanto as garras de um felino. Os dentes imutáveis, somente tornavam pontiagudos os caninos, formando orifícios no pescoço alheio, e com os lábios sugava a pele e controlava as veias que bombeavam sangue para a boca, e alimentava a sede do louro.



A porta bateu num estrondo atrás da pessoa que havia adentrado o local, tão alto, que a mulher sentada na recepção até se levantou para identificar quem havia sido o responsável pelo barulho, e parecera óbvio que fora o pequeno garoto, encolhido atrás de seu cachecol carmim, era tão pequeno, que eu diria que a moça teve que se esticar mais do que devia para observá-lo atrás do balcão, mas como poderia soar um pouco de exagero, é melhor dizer apenas que ela se inclinou para observá-lo. Kazuto tinha um metro e cinquenta, e dois, e ai de quem se esquecesse desses dois centímetros, um tamanho que ele considerava “normal” para um japonês, mas quando se esta perdendo em altura, até para as mulheres, deve-se observar que talvez não seja tão normal assim. Não era só pequeno em sua altura, era também em suas formas, parecia um adolescente, quando já tinha seus vinte e poucos anos. Vinte e dois, para ser exato, e trabalhava para uma gravadora como vocalista de uma banda de rock, e nesse momento eu acredito que você deva estar se perguntando como ele conseguia cantar numa banda sendo tão pequeno, certo? Pois bem, a voz dele dizia o contrário do que sua altura, e sua aparência diziam quando cantava, porque era tão grossa que não havia como confundi-lo com uma mulher. Seus cabelos loirinhos eram médios e repicados, na altura do ombro, e tinham algumas pequenas mechas em tons de azul e rosa perdidas entre os fios, nada muito regular, não parecia ter sido feito com zelo, apesar do garoto ter dado o seu melhor para fazer cada uma delas. Sua pele era tão branca e impecável, que dava inveja até mesmo nas garotas que trabalhavam no local, era só ver o pequeno passando, que sempre davam um jeito de rir entre si sobre sua altura, claro que era pura inveja, mas Kazuto era tão tranquilo e ingênuo, que sempre chorava na volta pra casa, pedindo que fosse ao menos alguns centímetros mais alto, aí elas veriam só.
Havia uma última música para gravar, de um álbum inteiro, todos os integrantes já estavam esperando por ele, que chegava atrasado com raridade, mas naquele dia, tinha motivos específicos, o carro havia quebrado e tivera que caminhar até lá a pé, para ele não tinha tempo ruim, morava sozinho desde que completara dezoito anos, então, não tinha como contar com os pais, que moravam em outra província, bem distante de si.
- Desculpem o atraso... Nem sei o que dizer, é que eu tive problemas com o carro.
- Carro? Ainda dirige aquela porcaria? Kazu, eu vou comprar um carro novo pra você de presente.
O riso soou meio desajeitado, mas é claro que não havia gostado da brincadeira, o veículo fora comprado com o dinheiro que podia pagar, a banda era nova, não tinham tanto dinheiro assim, eram poucas músicas gravadas e por show, tinham sorte se conseguissem pagar a viagem de volta pra casa, já que boa parte do dinheiro ficava nas mãos da gravadora. Ora, pintava o próprio cabelo, qual artista rico em sã consciência faria isso? 
- Bem, podemos gravar?
- Claro, estávamos só esperando você, tampinha.
- Ah não, sabe que não gosto desses apelidos...
O rapaz riu, sabia disso, só estava brincando com ele, mas era engraçado mesmo assim, ver a carinha dele de cachorro abandonado quando falavam sobre isso. Eram três músicas.Três. E levaram quase duas horas para serem gravadas, isso porque parte do instrumental já estava previamente pronto, e Kazuto começava a se preocupar com a volta para casa, já que o céu lá fora parecia escurecer cada vez mais, óbvio, eram quase sete da noite. 
- Gente, eu adoro ficar com vocês, mas acho melhor eu voltar pra casa. Vou ter que ir a pé e bem... Não é nem um pouco seguro onde eu moro essa hora, e não vai ser legal ser assaltado, eu vejo amanhã como ficaram as músicas.
- Pode ser, acho melhor eu ir também, uma pena eu morar do outro lado, Kazu, se não eu te levava pra casa e amanhã eu tenho que acordar cedo, então...
- Ah, tudo bem, não tem problema.
Kazuto era pequeno, mas corajoso, quer dizer, na medida do possível. Todos nós achamos que nada de errado vai acontecer conosco, até acontecer e só aí provamos nossa verdadeira coragem. A bolsa estava sobre seu ombro, e agarrado a ela, saiu da gravadora, no escuro e seu pior medo era o celular no bolso da calça. Encolhido, caminhou quase dois quilômetros, tentando não parar a cada vez que ouvia alguma coisa na rua como se fossem passos seguindo atrás dele, só então percebeu o quanto era medroso realmente. Ora, mas que rua do mundo real teria lobisomens, bruxas e bichos papões? Realmente estava pensando nisso? Quantos anos tinha? Dez? Que bobagem!
Finalmente havia entrado na rua de casa, o problema é que a maldita da rua também não era iluminada, tinha três ou quatro postes que iluminavam ao longo de três quadras! Quem será que fora responsável por aquela maravilhosa engenharia civil? E no Japão ainda, onde tudo costumava funcionar tão bem. Respirou fundo, faltava só duas quadras, estava perto de casa, tudo certo, porém, novamente seu corpo o havia sabotado e parou ao perceber algo estranho. Não havia ninguém na rua, nem muitos ruídos. As casas estavam fechadas, mesmo assim, ele sentia um atípico cheiro forte de fumaça, cigarros, na verdade. Estava tentando parar de fumar, por isso o cheiro irresistível fora o suficiente para fazê-lo pregar os pés no chão e averiguar de onde vinha o cheiro, ou será que estava ficando louco? Talvez os adesivos de nicotina estivessem fazendo a si imaginar coisas. Negou com a cabeça, mais para si mesmo e voltou a caminhar, dois, três passos, quando passara ao lado de um beco, onde só haviam lixeiras a luz do dia, mas a noite, parecia um portal do inferno. Fora ali que vira um par de olhos cintilantes e estranhos, poderia pensar ser um gato, se os olhos não estivessem flutuando quase em sua altura, aliás, mais alto que ele.
Aos poucos, Kazuto viu os olhos tomando forma num rosto tão bonito que só podia ter sido retirado de um livro de contos de fadas, era o que qualquer pessoa teria pensado, mas ele, só conseguia olhar as cores cintilantes que brilhavam no escuro, amarelo na borda e vermelho no centro, esses eram os olhos dele, quase hipnóticos e então, entendera de onde vinha aquele cheiro todo de cigarro, do cilindro que ele tinha nas mãos. O rapaz não dissera nada a ele, se quer havia notado as roupas que ele usava, tamanha fora a rapidez de seus movimentos a pegar a si em seus braços, imobilizando o garoto de tal maneira que o fizera até derrubar a bolsa no chão. Kazuto não disse uma palavra, não tivera tempo, nem de pedir que não o machucasse e que poderia levar o celular e o dinheiro que tinha se quisesse. Mas o outro não queria nada de valor que ele carregava com ele, quer dizer, só a sua força vital.
O rapaz misterioso, inclinou o pescoço do pequeno entre os dedos com tamanha delicadeza que parecia tranquilo com o que fazia, embora seus movimentos fossem rápidos para evitar mais pessoas passeando pela rua naquela hora. Suas unhas compridas e finas, se na pele do menor e aproximando-se de seu pescoço, onde farejou por poucos segundos, logo afundou as presas longas e afiadas em sua carne, sugando o liquido rubro que havia escorrido, e o sorvendo em ágeis goles. Kazuto sufocou o grito na garganta, assustado demais para se mover ou fazer alguma coisa, nem se quer pensava em nada naquela hora, só na tamanha dor que havia percorrido todo seu corpo e em seu sangue sendo sugado para fora cada vez mais, não era tão tolo afinal, por pensar que poderiam haver criaturas obscuras naqueles becos a noite, e de fato, se pensarmos bem, há um demônio em cada esquina.
O vampiro manteve os ouvidos atentos, audível o grito surrado excitante, inadequado. Uma das mãos o segurava sem impor força alguma, a vontade era suficiente para mantê-lo parado. Unhas afiadas, arrastaram-se sob a pele, rasgaram o tecido sensível e morreu o movimento ao impossibilitá-lo de sequer descerrar os lábios. Os próprios expeliam o sangue do pequeno corpo entre um dos braços, apertando-o, o orgasmo de sentir o sangue quente percorrer a garganta, o estremecer da vítima, suas pernas trêmulas e insistentes que lutavam para não fraquejar ante o próprio peso.  Kazuto tinha o corpo paralisado pelos braços do outro, os olhos se fecharam e logo tornou a abri-los devagar, fitando o rosto bonito dele e o sangue que escorria pelos lábios do vampiro a frente, o próprio sangue, estremecia cada vez mais, buscando uma explicação para o que estava acontecendo, tentando pensar numa saída mesmo que o corpo não reagisse. Iria morrer nos braços dele se não fizesse alguma coisa e a vista ja estava pouco embaçada, talvez fosse o desespero, mas fez o possível para manter-se acordado, manter-se respirando. Os olhos ainda fitando o sangue, desviaram-se aos olhos dele por um simples momento, ao fitar os olhos dourados do loiro, todos os pensamentos foram apagados da mente, as mãos que seguravam os braços dele desistiram de se soltar e relaxaram, sentia o corpo pesado, iria desmaiar, mas não poderia, os olhos semicerrados queriam continuar fitando os olhos assustadores do outro de alguma maneira
- N-Não...
Murmurou, rouco assim como o gemido anterior, a unica palavra que escapou dos lábios. O vampiro sugou, sugou até suprir a necessidade do corpo, morto. Nos braços, o garoto de cabelos tão claros quanto os próprios, fraquejou por mais relutante que estivesse anteriormente, exausto o havia deixado, mas sem piedade da criança, criança, assim fora como observava o pequeno, ainda menor que si próprio que já não possuía uma estatura muito alta. O vampiro, e suas presas impiedosas, ou talvez piedosas, por não deixá-lo ser sugado até estar sem vida nos próprios braços. Nos lábios sutis, tão manchados de sangue, cujo o liquido escorria no canteiro esquerdo e se perdia no pescoço, o sorriso típico, o maldito sorriso, que expunha os dentes caninos, afiados, tão sujos quanto os lábios, tão sujo quanto o seu próprio eu e talvez o loirinho não visse o momento em que, sujou-o com o próprio sangue ao deixar que a língua sentisse o sabor de seus lábios, somente um roçar, somente o simples toque antes de soltá-lo dos braços, e deixá-lo num canto quanto qualquer outra vítima.
O loiro que já havia desistido de se soltar, por fraqueza ou talvez porque realmente preferia morrer já que não poderia mesmo se salvar. Os olhos cerrados e dos lábios soou o ultimo gemido fraco antes que perdesse a consciência, nem ao menos sentiu o toque sutil dos lábios do maior a tocar os próprios, não sentia mais nada e assim talvez estivesse melhor ou talvez, quisesse mesmo continuar a fitar os olhos enigmáticos daquele vampiro.
- Boa noite, Cinderela.

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