Kazuma e Asahi #2


O tempo estava frio, nublado e caótico. Os passos pesados da marcha seguia dura pelo concreto em destroços, poucas de suas partes eram inteiras e planas, mas o solo daquela bela arquitetura, assim como paredes e toda sua estrutura, permaneceriam intactos. Era pouco mais que duas e quarenta da madrugada, o horário de recolher já havia tocado há pelo menos quatro horas atrás embora forças armadas ainda estivessem festejando por aí mesmo em meio a todo aquele caos. Outros apenas mantinham sua índole inescrupulosa mandando em qualquer alma viva que pela rua cruzasse caminho, abusando-as ou somente tirando suas vidas por puro deleite. Kazuma não tentaria mudar todos os homens, tinha responsabilidades e outras coisas a pensar. Colocou novamente o quepe militar sobre os cabelos negros um pouco bagunçados e afetados pelo frio. Ajeitou o casaco somente sobre os ombros e guiou a fila em ordem, brandindo direção a grande igreja já há poucos metros. Passou pelos soldados que guardavam a entrada frontal do grande pátio antes de alcançar a porta principal após breve cumprimento respeitoso dos  
inferiores. E então após a abertura do portão de madeira grande e pesado, continuou a levá-los até finalmente alcançar a bela arquitetura com algumas poucas luzes que iluminavam o sino em seu topo e mesmo a enorme cruz que certamente deveria ter grande peso, assim abriu a porta de madeira ornamental, longa e pesada, encontrando o olhar curioso do senhorio daquela igreja. Asahi acordou quase num sobressalto, o barulho que vinha do lado de fora era ensurdecedor, na verdade, fazia algumas noites que não dormia direito e não podia recorrer a coisas tão mundanas como remédios. Não meditava, nunca havia conseguido aquela proeza, e invejava quem o fazia, era católico, não budista ou hinduísta. Observou, ou tentou observar pela janela quem podia ter aberto o portão da igreja aquela hora da madrugada e estranhou, só conseguindo ver o quepe e sua farda pelo pequeno vidro quebrado. Negativou consigo, sem entender e já que de pé, colocou a batina, tinha uma mania nada correta de dormir somente de roupa intima, e não importava o quanto os outros padres dissessem, ou até mesmo as freiras que antes ali tinham, não conseguia dormir com uma roupa branca quase enforcando a si a cada movimento que fazia. Ora não era pervertido só por querer liberdade, ou era? O crucifixo ainda estava sobre o pescoço, o carregava consigo mesmo dormindo, não era pesado e fazia parte de si, era pequeno, de madeira e si mesmo havia feito. Desceu as escadas quando suficientemente arrumado e observou o rapaz que já adentrava o lugar a carregar com ele algumas pessoas que naquele escuro não conseguiu identificar. Fez uma pequena reverência para o general que ali adentrava e sabia disso devido a suas condecorações no uniforme.
- Senhor Sakurai? A que devo sua ilustre presença nessa madrugada sonolenta em que eu me encontrava? 

- Não me importo com o seu sono, Padre. Não adianta soar insolente.
Retrucou tão abruptamente ao homem de batina. Normalmente teria sido respeitoso, porém nunca o era diante de um ataque, era facilmente um contra-atacante e indicou o pequeno grupo que fosse a dentro do salão quase luxuoso daquele lugar antes que finalmente pudesse fechar a porta atrás de si. No entanto, seguiu alguns passos a frente para tratar o assunto.
- Boa noite, Padre.
Disse-lhe contraditório a saudação inicial e fez até mesmo uma suave reverência com a cabeça, num cumprimento pacífico. Tão logo chamou dois dos soldados que prontificaram-se a levar duas caixas com alguns mantimentos suficientes para os próximos três dias.
- Espero que aceite humildemente e também que possa acolhe-los.
E desta vez apresentou-lhe um casal de idosos, tal como duas pequenas jovens garotas, crianças melhor dizendo, que se grudavam aos mais velhos com um ar sofrido porém maduro, com um ar tão protetor quanto o de um verdadeiro adulto, crianças certamente valentes diante da necessidade de cuidar de seus entes mais frágeis. Vestiam roupas sujas, cheias de pó, cabelos negros mais pareciam fios cinzentos. Os idosos embora sua lã estivesse tão surrada, os cabelos brancos mal cortados, conseguiam sorrir com um quase alívio, com alguma esperança.

- Talvez haja possibilidade de que eu traga mais algumas crianças e idosos. Caso aja necessidade de cuidados especiais trarei algumas das enfermeiras do exército. Peço também que todos permaneceram aqui dentro, lá fora é um ambiente incontrolável, aqui dentro estão seguros.  
Asahi o ouviu em seu tom quase ríspido em resposta e deu um sorrisinho de canto, assentindo a ele enquanto entrava com as pessoas, dando espaço a ele para se acomodar. Observou as expressões dos refugiados, e alternava em direção à face dele em seguida, sem entender, mas logo com sua explicação, fora capaz, embora não conseguia realmente entender o porque ele os deixava ali e não matava como qualquer outro militar comum. Parecia diferente, e talvez o tivesse julgado mal, já que não tentava machucar as crianças.
- Sim senhor, a igreja é sempre aberta para quaisquer pessoas que procurem a Deus, farei o possível para cuidar deles, pode trazer quantas pessoas precisar. Porém permita-me perguntar, se não se importa... Porque realiza esses atos de bondade? Nunca cheguei a ver um militar como o senhor de joelhos numa igreja, muito menos se preocupando com as outras pessoas.
- Atos de bondade? Não são atos de senso comum?
Retrucou ao religioso, embora tenha entendido seu questionamento. Era ciente das atrocidades em tempos como aquele, era de algum modo um tanto indiferente sobre os atos alheios, mas reconhecia que talvez fosse algo que não deveria fazê-lo, era justamente por isso que enquanto os próprios soldados estivessem sob as próprias vistas, eram obrigados a agirem como seres humanos e não feito animais selvagens, ainda que aquela comparação não fizesse jus a natureza mais humana dos próprios bichos.
- Os mais fracos são os que agem mais miseravelmente. Sentem necessidade de reafirmar o poder que não tem, e usam justamente a violência pra isso, só assim se sentem "homens" de verdade.
Asahi se calou 
e abriu um pequeno sorriso de canto, isso só reforçava ainda mais a beleza dele para si e a vontade que tinha de vê-lo novamente, e poder conversar com ele.
- O senhor é realmente um homem sábio, general. Um homem incrivelmente sábio. Por que não fica por essa noite? Tenho algumas garrafas de vinho que podemos compartilhar.

- Eu agradeço o convite, Padre, mas preciso voltar, tenho assuntos pendentes durante a madrugada e preciso recolher meus homens nas ruas, do contrário se supõe que a noite seja barulhenta. Peço que os acomode, que lhes de algo o que comer, devo voltar em três dias para reposição dos mantimentos ou antes caso encontre alguma criança. Se você precisar de algo mais, os homens que guardam o portão frontal do pátio, escreva uma carta e diga para que entreguem a mim.  
- Hum... É uma pena, mas eu agradeço. Farei o possível para que se sintam em casa, se precisar de mais alguma coisa, por favor, me deixe saber.
O menor fez uma pequena reverência em despedida, porém só então se recordava dos cortes feitos pelo vidro há alguns dias e perguntava-se se não estariam evidentes a ele já que cobriam boa parte das mãos e do peito, não queria que ele se preocupasse, então, escondeu as mãos com as mangas da batina.

Kazuma moveu suavemente a cabeça tal como ele, num cumprimento informal e ajeitou o quepe pela aba antes de junto aos dois soldados, dar marcha ré a fim de seguir a fora da igreja. Observou as crianças, mesmo os idosos e então igualmente se despediu com o maneio da cabeça.
- Enviarei as enfermeiras para eles, também para você.
Disse e seguiu caminho a base. 
Asahi uniu as sobrancelhas ao ouvi-lo e negativou.
- Para mim não é necessár... - Falou, porém percebera que havia sido ignorado, vendo-o se retirar e negativou. - Eu hein. - Falou e desviou o olhar às pessoas paradas no local, dando um pequeno sorriso acolhedor aos demais. - Por favor, sigam-me, vou levar vocês aos aposentos onde poderão descansar. 

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4 comentários:

  1. Muito interessante a temática de guerra, estou gostando do andamento da história.

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    1. Oi Aline, fico feliz que você goste deles, eles são um dos meus casais favoritos. ♥

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  2. To ansiosa para o que vai acontecer Kaya ><

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