Kyo e Shinya #4 (+18)


Uma semana havia se passado, a lua brilhava no céu e estava frio, o vento soava forte e carregava cortinas pelos bastidores do palco, o baterista podia sentir a brisa nos cabelos, que amenizava o calor que sentia enquanto tocava, a chuva fora um alívio para os fãs e um martírio para outros que reclamavam do cabelo que seria desarrumado e da maldita chapinha, que não deixava mulher alguma apreciar a chuva como deveria ser. Alguns respingos tocavam o palco mesmo coberto e atingiam o vocalista na frente, e água não era um problema, já cantava sem camisa, sentir a sensação refrescante pela pele era também um alívio e as gotas de chuva deslizavam a se misturar com as gotas de sangue em seu peito, escorrendo pelo corpo e pela lâmina guardada no bolso da calça. O maior observava de trás de sua bateria e tinha como de praxe o cenho franzido, tudo girava em torno daquilo ultimamente, a partir do primeiro corte a música havia ficado triste para ele e lhe invadiu o peito a vontade de deixar o palco, o que estava fazendo nos últimos dias quando percebia algo semelhante vindo do outro. Aquele vento carregava para ele todo o sentimento negativo, a raiva, o ódio, a mágoa do vocalista, e as gotas de chuva pareciam lágrimas que tentavam purificar aquele corpo e toda aquela maldição que recaía sobre ele.

Com o encerramento e a última música, o vocalista saiu do palco em passos lentos, meio cambaleantes e o maior que ainda o observava de trás, perguntava-se se ele não havia bebido alguma coisa antes de entrar, mas era óbvio que não, parecia somente estar em um outro lugar que não ali mentalmente. O baterista havia pego suas coisas para ir embora, a bolsa estava sobre o ombro e o casaco guardando dentro da mesma, era melhor ignorar como todos faziam, porém fora obrigado a cessar os passos ao ouvir o barulho alto vindo do camarim, e o coração havia pulado no peito, era só uma questão de tempo para algo de ruim realmente acontecer com o amigo e não podia ser naquele dia. Perguntou-se por alguns instantes se realmente havia ouvido o barulho ou se fora só a própria mente moldando algo para assustar a si, bem, era melhor não deixar a sorte decidir.
Kyo havia entrado no camarim e caído sentado mesmo no chão, Shinya achou que ele estava sozinho, mas havia mais pessoas ali dentro, o guitarrista de cabelos vermelhos conversava com uma garota, talvez uma fã, não havia visto direito, mas se importou absurdamente com o fato dele ter ignorado o loiro assim que entrou, se ainda estivesse em condições, mas não, estava caído no chão! Todos eles agiam desse modo, como se ele fosse só algo para se ignorar, era óbvio que ele tinha problemas, era óbvio que ele precisava de ajuda, mas ninguém se atrevia a encostar nele, tinham medo, e tinha medo também, ontem, mas a partir do momento que ouvira o baque de seu corpo dentro da sala, o medo sumiu. 
- Die, você pode me dar licença um minuto?
- Eu já vou sair, deixa só eu terminar aqui.
O loiro assentiu e aguardou enquanto ele continuava a conversa, porém um minuto inteiro havia se passado e o sangue começara a ferver. Tinha pressa, era pra ontem, não pra semana que vem e o outro continuava sentado no chão perto da porta, quase estirado e imóvel. 
- Die, some daqui! 
A voz saiu mais alto do que havia imaginado e todos se calaram a observá-lo, não era do feitio dele gritar e esbravejar, na verdade, ele nunca havia feito até então, tímido como era, mas fora o suficiente para deixar o guitarrista boquiaberto e silencioso e fazê-lo se retirar dali de mãos dadas com a garota, finalmente. 
Num salto ele estava perto do menor e ali mesmo no camarim havia pego uma pequena caixa branca estampada com a cruz vermelha, de onde tirou um algodão que molhou com um antisséptico e ajoelhando-se, observou-o de perto, seu rosto bonito, que ele dizia não ser, e não discutiu quanto a isso, sabia que ele se achava feio, mas não era o caso para si, os cabelos curtos estavam molhados pelo suor, assim como a pele com a camada fina e úmida que transparecia, e aqueles machucados, deviam doer, uma pessoa comum estaria fazendo caretas e procurando algo para limpar o sangue, talvez, se contorcendo em agonia, mas ele, só ficava ali sentado, sem dizer uma palavra e sem nenhuma expressão. Isso partia o coração em pedaços. O loiro tomou coragem mais uma vez e era o que tinha feito nos últimos dias, talvez o desespero fosse a chave para esses momentos se mostrarem, e sem delongas guiou o pequeno algodão sobre um dos cortes em seu peito, ainda sem abrir a boca, o fazia com extrema cautela até ser interrompido pelo tapa ríspido sobre a mão e ver o outro estreitar os olhos para si.
- Sai, Shinya, vá embora.
O maior não disse uma palavra, apenas o observou, sério, por alguns segundos e ao ter a mão dele abaixada voltou a tocar suas feridas e é claro, amortecer a dor com o remédio. 
- Não vou falar de novo...
E o silêncio continuou, ele já havia limpado boa parte do sangue e trocado três vezes de algodão, quando o vocalista se irritou e bateu em sua mão novamente, mas não havia surtido efeito algum, já que o outro, mesmo com a mão dolorida continuava feito um robô com a ação, ele havia pedido para não falar a respeito e não estava falando, estava apenas fazendo, porém, era a vez do sangue do menor ferver quando percebeu que o outro não iria cessar o que fazia e dessa vez ao invés de acertá-lo na mão, o punho fechado o acertou na face, era homem, não o via como uma mulher, portanto era óbvio que bateria nele como um homem que estivesse irritando a si. O maior virou o rosto de lado com o impulso, fechando os olhos com certa força e esperou alguns segundos até que a dor se amenizasse, porque não passou, um soco dele não era algo fácil de levar, ele era bem mais forte do que a si, e o teria derrubado certamente se a vontade de ajudá-lo não fosse maior. 
A boca tinha um corte cicatrizado no canto, que fora onde ele havia mordido algumas noites atrás quando fizera amor com ele, mesmo assim, havia um pequeno rastro de sangue no canto dos lábios, causado pelo soco, por sorte havia atingido a lateral direita do rosto, mas não pegara no nariz, ou teria sangue para todo lado e um grande problema para consertar depois, mas o olho machucado e roxo logo começaria a inchar. Mesmo assim, ele levantou a mão e virou-se em direção a o outro, terminando a limpeza dos cortes, um a um e colocando a gaze dobrada com todo o cuidado sobre o local junto a esparadrapos para segurá-los. O vocalista nem se moveu depois do soco, ficara apenas a observá-lo, perguntando-se se não havia sido o suficiente bater nele, porque em dias normais, um soco daqueles o teria feito voltar para casa chorando ao invés de segurar as lágrimas e continuar com o feito, não havia ninguém ali para ver, todos haviam saído, estavam sozinhos, se quisesse bater nele até desmaiá-lo o faria, então tinha que admitir que ele tinha uma bela força de vontade em continuar. 
Ao terminar, o baterista fechou a pequena caixa e fez menção de se levantar para guardá-la, se não fosse o puxão que o vocalista havia dado em seu braço, fazendo-o ficar ali abaixado junto a ele. 
- Por que não me obedece? Por que não fica longe disso?! Você é louco? Eu podia te arrebentar!
Ainda em silêncio, Shinya assentiu a observá-lo, não era louco de responder a ele e percebeu por um momento que teria ocorrido a mesma coisa, se tivesse saído do carro naquele dia. O único movimento que havia feito, fora erguer a mão para limpar o sangue que havia no canto dos lábios, porém sua boca estava cheia dele. O menor o observou, irritado com seu silêncio e estreitou os olhos.
- Não vai me responder? 
E o outro negou com a cabeça, talvez em sinal de respeito, a última coisa que queria fazer era desrespeitá-lo, mas não conseguia mais vê-lo daquele jeito, pensando que estava sozinho no mundo, a última coisa que queria era ver o amigo cometendo suicídio na própria frente, arrancando pedaços de si e lembranças dolorosas no palco. O silêncio fora suficiente para irritá-lo novamente, agarrando os braços do loiro maior, ele o empurrou para o chão, deitando-o de costas sobre o tapete macio, semelhante ao de sua casa e não se importava se pudesse machucá-lo de novo, porque o joelho do baterista havia raspado no chão frio e áspero ao colocá-lo na posição que queria, mas Shinya, inexpressivo, manteve os olhos bem abertos enquanto o outro puxava sua calça, abaixando-a num movimento rápido, assim como fez com a própria e a essa altura ele não se importava mais se o loiro ficasse em silêncio, era até melhor, não chamaria a atenção de ninguém com os gritos. 
O maior se agarrou ao tapete e viu a cor branca dele tomar a tonalidade vermelha ao ter o contato com o próprio rosto, devido ao sangue que deixava os lábios, não era muito, mas o suficiente para deixar manchas no local e sentiu o outro se ajeitar atrás de si, puxando os quadris a deixa-lo apoiado sobre os joelhos, tomando fôlego para só então fazer o que queria. Fora a primeira vez que ele abriu a boca, mas fora somente para deixar o gemido rouco e dolorido escapar, e os olhos se fecharam novamente, doía pressioná-los. 
- Doi, hm? 
Ao invés de concordar, o outro somente se encolheu e não se moveu ou tentou fugir, mas o menor segurou ambas as mãos dele nas costas, presas, talvez gostasse de vê-lo submisso daquele modo, e o fez dele, sem o menor cuidado, contrario de como havia feito na primeira vez com o outro, não tinha tempo pra isso, nem paciência. O baterista apoiou o rosto no chão e tentou não gemer ou gritar, sentindo algo parado na garganta, um nó, uma dor estranha, ou talvez fosse somente vontade de chorar, não era a mesma coisa dessa vez, talvez não estivesse no clima pra isso, não ali, jogado no chão do camarim onde qualquer um podia entrar.
Quando o menor concluiu sua vontade, se levantou sem delongas e soltou as mãos do amigo, deixando-o livre, como se ele fosse realmente tentar fugir antes, tinha coragem, mas não tanta, nem forças para dar uma de louco. O loiro levou um minuto inteiro para se mover e a primeira coisa que fez fora puxar a calça para cima e colocá-la no lugar para evitar a visita de alguém indesejado, sentia novamente a dor se alastrar pelo corpo, e não fizera nada além disso, não se moveu mais. As lágrimas estavam marcando os olhos, mas não deixava que nenhuma delas caísse, era óbvio que o outro havia percebido isso, porém Kyo já havia pego o cigarro no bolso da jaqueta deixada sobre uma das cadeiras e havia acendido um deles enquanto se sentava não muito longe e recuperava a respiração descompassada, mas o olhar estava fixo no outro ainda deitado e nas pequenas gotas de sangue derramadas sobre o tapete, talvez não fosse a intenção machucá-lo daquele modo, bem, agora não adiantava mais. Uma das mãos alcançou uma toalha sobre o móvel e mergulhou-a no pote de gelo que os staffs deixavam por ali para qualquer uso após o show, e só então se dirigiu ao amigo, abaixando-se a sua frente.
- Levante-se. 
Shinya se demorou ao ouvi-lo, tentando fazer o corpo se mover mais depressa, mas parecia não obedecer seus movimentos, como se não quisesse se levantar de modo algum. Levou um minuto inteiro até que num pequeno impulso ele se sentou no chão, de cabeça baixa para que ele não visse as feridas feitas pelo soco em seu rosto, não queria parecer feio para ele, mas Kyo sabia sobre cada uma delas e fora exatamente onde pressionara a toalha gelada que causou um pequeno sobressalto no maior, o tecido se tingiu de sangue quase instantaneamente, mesmo assim ele deslizou por cada pedaço de seu rosto machucado, como ele havia feito consigo e a expressão séria de sempre não se alterou enquanto o fazia, ainda parecia uma rocha, com o coração frio como gelo, era costume, mas o baterista sabia dos sentimentos, mesmo sutis dele por si naquele momento e era suficiente. O que atos simples podem fazer, não é mesmo? Palavra nenhuma poderia descrever o que ele fazia pelo outro num simples gesto.
Quanto a Kyo, o sangue havia escorrido das feridas em seu peito devido ao movimento repetitivo e sujado a gaze colocada, mesmo assim, ainda cobria o machucado e já não doía tanto. Ele não arrancou o curativo e não tocou no assunto novamente, somente se levantou, colocou a jaqueta, tragou o cigarro com seu mesmo jeito de sempre, como se fosse desapegado de tudo e observou o baterista no chão mais uma vez.
- Boa noite, Shin. 

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