Kyo e Shinya #5


Havia um ensaio marcado para o dia seguinte, era óbvio que o baterista não queria ir, o olho direito estava tão inchado que quase não conseguia enxergar, o lábio, havia sido cortado, então estava tão ruim quanto, sentia dores pelo corpo e os analgésicos não faziam efeito. Não tinha nem vontade de levantar da cama, estava tudo tão cinza, o sol estava coberto pelas nuvens e haviam tantas que pareciam dizer para se preparar para a chuva que viria mais tarde. 

O baterista deslizou pela cama, preguiçoso demais para levantar, na verdade, completamente sem vontade de sair de casa e pensou em pegar o telefone e ligar avisando que não iria, porém lembrou-se da última vez que o fizera e de como gravaram a música sem ele, e não gostou nem um pouco dessa notícia quando a recebeu. O banho fora rápido, a água quente era difícil de ser suportada naquela condição, principalmente com respingos sobre o rosto machucado, e se olhando no espelho logo após, achou melhor colocar um tapa-olho, isso se não parecesse um pirata ou algum personagem de filme de terror. Suspirou, estava realmente deplorável e para piorar, não achava que o amigo fosse voltar a falar com ele depois do ocorrido, a porta havia se fechado com toda a precisão necessária para saber disso, talvez nem o visse hoje.
A toalha preta fora substituída por roupas simples como costumava usar, uma calça de mesma cor, camisa branca de botões, sempre com dois botões abertos e os cabelos longos e loiros foram somente penteados, não estava com ânimo para arrumá-los como queria realmente e o caminho para fora parecia ser mais doloroso do que para se levantar da cama. 
Com facilidade encontrou a própria vaga no estacionamento da gravadora e ao sair do carro, deu de frente com o baixista de cabelos azuis e curtos, aparentemente havia pintado recentemente e por um momento o baterista quis que o short que ele usava por cima da calça preta justa fosse um pouco maior.
- Meu Deus, Shin... O que diabos aconteceu com você?!
E com o jeitinho calmo de sempre, segurou os ombros do baterista e quase virou-o do avesso, observando seu rosto milímetro por milímetro com tanto cuidado que o outro pensou em perguntar se ele precisava de uma lupa.
- Nada, eu caí da escada.
- Ah sim, porque a escada tem mãos.
- Quase isso. 
- Acho melhor cancelar por hoje então...
- O que? Não, eu posso tocar.
- Até parece que pode, e tem mais, o Kyo não apareceu também.
- O que? Por quê?
- Não sei, o Die disse que ele ligou avisando que não viria, disse que estava doente, mas eu nunca acredito no Kyo, deve estar bêbado por aí.
- Ele não é um bêbado, Toshiya.
- Ora, está até defendendo já? Pelo jeito o relacionamento está ficando sério.
O baterista fechou a cara por um instante e estreitou os olhos ao amigo.
- Calma loira, relaxa, é só brincadeira.
- Não me chame de loira. 
- Deus, pelo jeito hoje ninguém está querendo brincar. Vou avisar o Die que gravamos outro dia, ok?
- Vou atrás dele pra saber o que houve.
- Acho melhor você não se meter muito nisso, Shinya. Sabe muito bem que ele não gosta que se metam nos problemas dele. 
- Ele é meu amigo!
- Todos nós somos, e seu rosto está aí pra lembrar você de que é melhor ficar na sua! Acha que eu não sei o que aconteceu? Eu vi vocês pela janela. 
- Você não sabe de nada Toshiya! Acho que você está é com ciúme! 
A expressão de Toshiya se alterou quase imediatamente, parecia que Shinya havia pisado exatamente sobre um calo, e ajeitando a bolsa em um dos ombros, seguiu para o próprio carro, não olhou para trás, a porta fez o serviço de avisar ainda mais que não havia gostado do comentário, pela batida alta que deu. 
Shinya observou o estacionamento em volta, com uma dor estranha no peito, estava sozinho, havia brigado com seus dois melhores amigos, e havia gritado com o outro guitarrista da banda no dia anterior, então, o que estava fazendo? Não era do tipo que arranjava confusão por pouca coisa, não estava nem se reconhecendo mais, havia jogado dez anos de amizade fora em menos de um mês, realmente, deveria escrever um livro com o título “como perder todos os seus amigos em dez dias” e o primeiro tópico seria “seja um idiota”. 
Bem, já estava na porta da gravadora, então achou que talvez devesse entrar e falar com alguém para saber se ao menos poderia gravar a própria parte, já que pensava em fazer uma viagem e desaparecer por uns tempos, talvez fosse para Hokkaido visitar os pais, é seria agradável e tranquilo, longe dessas loucuras que aconteciam.
- Die, e aí como vai tudo?
- Bem, o Toshi disse que já estava chegando, viu ele... Meu Deus do céu, o que aconteceu com o seu rosto?!
Shinya fez uma pausa para tentar se recordar o que de fato havia acontecido, já que se esquecera do rosto inchado, apesar do corpo não se esquecer da dor, o que era irônico. 
- Ah, eu caí. – Disse usando a mesma desculpa esfarrapada.
- Foi o Kyo, não é?
- Por que ninguém acredita em mim?
- Porque sua desculpa é ridícula. 
Ele assentiu, mais para si mesmo do que aos outros, era ridícula mesmo. 
- Certo, foi o Kyo. Toshiya foi embora.
- Por que? Íamos gravar mesmo sem o Kyo, o que anda acontecendo com essa banda?
- Bom, eu gritei com ele, aparentemente sem motivo nenhum, e ele foi embora. E eu sou um idiota.
- Está de TPM, é Shin?
Shinya estreitou os olhos.
- Vamos gravar ou não?
- Bom, eu até queria, mas estamos em três somente, e realmente precisamos do baixista, que foi espantado aparentemente. É melhor deixar pra outro dia.
- Hum. Alguém sabe o que aconteceu com o Kyo?
- Nós só sabemos depois que ele volta, sabe disso. Ele não atende o celular.
O loiro assentiu novamente, já sabia disso, mas quis confirmar mesmo assim.
- Bom, acho que eu preciso de um tempo. Eu vou viajar pra casa dos meus pais, quando eu voltar nós gravamos. 
- Okay, quando você volta? 
- Segunda.
- Certo, boa viagem. E vê se relaxa.
“Vê se relaxa”, ele repetiu baixinho, era fácil falar, queria ver fazer. Sabia que não ia ficar em paz indo viajar com as coisas deixadas daquele jeito, mas tudo ia se resolver aos poucos, talvez Die até falasse com Toshiya e quando voltasse as coisas já estivessem melhores. 

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