Kazuma e Asahi #18


O silêncio prevalecia entre ambos, a garota nada dizia, somente limpava o sangue que escorria do próprio ombro com a marca da mordida ali, e tinha as sobrancelhas unidas, incomodada com alguma coisa, e claro, Asahi havia percebido, também havia percebido o olhar dela para com a própria roupa ausente, e usava somente uma calça preta e camisa branca naquele dia, já que a batina havia sido rasgada.

- Diga, Emi. Por que está tão desgostosa?
- ... Não é óbvio? 
- Nada em mulheres pra mim parece óbvio.
- É o Kazuma. Nunca vi alguém fazer isso com outra pessoa. Logo vai é ter que levar pontos.
- Ele estava irritado, provavelmente chateado com algo que fiz, acha que sou um fraco.
- E você é. Se eu fosse você, teria virado a mão na cara dele, ele acha que pode machucar você assim e você não faz nada?
- Eu gosto, Emi...
- Você tem sorte de eu ser uma mulher, ou já teria...
- Emi! Cale a boca. Você é paga para fazer o seu trabalho, então o faça!
- Você não fala comigo assim, até você agora está falando desse jeito? Eu me apaixonei por outro Asahi...
O padre uniu as sobrancelhas ao ouvi-la e desviou o olhar a ela, estranhando suas reações, e agora, estava em frente a si, com os lábios colados aos próprios e a empurrou, estreitando os olhos.
- O que está fazendo?! Sabe que eu sou um padre! Está louca, está alucinando.

- Você se deita com o Kazuma e recusa a mim?!
- Cale-se! Cale-se ou vão te ouvir.
- Pois bem, farei com que me ouçam. Estou cansada de te encontrar assim, logo vou te achar com algum osso quebrado! Estou cansada de amá-lo e ser desprezada por um soldado como ele!
- Não diga isso, não diga isso!
Asahi estreitou os olhos e a viu seguir para a porta, abrindo-a e correu com ela pelos corredores, vestindo a camisa sobre o ombro encharcado e ali a viu parar no meio da igreja e chorava.

- Vocês não sabem quem é esse homem! Ele não deveria estar aqui!
- ... Emi.
Falou, notando a expressão assustada dos demais residentes ali e logo ouviu o barulho na porta, uma batida, um estalo, não soube dizer.

- Aí, ele está esperando lá fora, Asahi! Por que não vai vê-lo?! Dois dias seguidos hein?! Eu vou mostrar!
O padre uniu as sobrancelhas e a viu seguir em direção a porta, abrindo-a e viu ali os soldados com os lenços vermelhos, o que fez a si arregalar os olhos.
- Emi saia daí!
Gritou e ouviu o barulho seco cortar o ar, por um momento, ensurdeceu, mas era evidente, que havia sido o tiro que acertara diretamente o peito da garota parada perto da porta. Não reagiu de imediato, demorou um tempo, observando os soldados que adentravam a igreja e sabia, iria morrer. Viu os idosos que corriam direto para o andar de cima, e não sabia o que falar diante do choque em que estava, somente saiu do torpor ao sentir as mãos do guarda sobre si e teve as mãos presas nas costas com algum tecido, apertando-as. 

Não vira mais nada, não havia desmaiado, mas estava surdo, cego aos sons ao redor, sabia ter ouvido mais uns quatro ou cinco tiros bem perto de si, o que causava um pequeno sobressalto no corpo, que mais parecia uma casca morta, acordara pouco tempo depois, após os gritos e tiros, e somente piscou algumas vezes, observando o rapaz em frente a si, a expressão impassível e a arma apontada para si.
- Vou perguntar pela última vez, você é o padre, ou não?
- ... S-Sou.
- O que os militares estão escondendo aqui dentro, hum?
- O que?
Asahi falou, e realmente, não estava entendendo, mas o ouviu rir, jundo dos outros soldados.

- Fala rapaz, sabemos que eles tem atenção especial nessa igreja, por que?
- Não sei do que está falando, não estou escondendo nada pra ninguém.
Havia dito, ainda um pouco confuso, porém logo sentiu o punho fechado contra a face e até fora jogado ao lado com o soco, que não sentiu, mas sentiu o gosto bem aparente de sangue na boca e uniu as sobrancelhas, desviando o olhar ao rapaz em frente.

- Senhor... Acho melhor não bater no padre, isso dá azar.

- Shogun! Um dos soldados constou movimentação anormal na igreja onde estão os alojados. Dei ordem para locomoção aos soldados, alguns permanecem em posição para proteger a base, mas ouvem-se tiros vindos da região.
Disse o homem ao adentrar vigorosamente o alojamento de Kazuma, em qualquer outra ocasião teria repreendido, no entanto deu descanso à sua posição de "sentido" a medida em que se levantou rapidamente e seguiu junto ao homem para o veículo e seguiu com a tropa à igreja não muito distante de lá. A rapidez com que se seguiam as ocasiões fazia perder parte do que acontecia, até finalmente se dar conta de que estavam dentro da igreja já antes invadida. Claro que àquela altura, já havia um tiroteio ao lado de fora da grande arquitetura antes inafetada, mas agora já atingida, haviam até causado alguns defeitos na porta, costumeiramente tão bonita, agora com grandes lascas soltas pela entrada brusca. Não precisou de cautela demasiada até adentrar o local, encoberto pelos demais soldados, portava na mão a arma de tamanho generoso que trabalhou ao ter em vista um dos inimigos 
vindos em direção a porta, talvez num reflexo pelos tiros vindos igreja à fora. Num passeio hábil visual, encarou toda igreja antes de finalmente atirar nos homens lá dentro, sendo acompanhado por demais soldados da tropa, que tentavam de algum modo evitar afetar a área. Teve tempo até de perceber uma das enfermeiras mortas, não lamentava no entanto, talvez até tenha limpado a sola das botas na roupa não tão impecavelmente branca como costumava, falava demais, pensou, mas não tinha muito tempo pra isso. A altura dos tiros que ressoavam embaralhados lá fora, uniam-se junto aos ecos da igreja, tornando todo o caos ensurdecedor, embora já estivesse cauterizado por todo o tempo de briga. Pôde ver o padre alguns metros distante, mas não tivera muito tempo para ser ameaçado já que o homem que tinha posse do religioso, fora um dos primeiros atingidos.
- Saia daqui, Padre!
Disse, indicando que corresse de todo aquele meio, tempo suficiente para que pudesse terminar de limpar a sujeira que havia tomado a igreja.
O barulho fora ouvido logo do lado de fora, um tiro que atingira o peito de um dos soldados na porta. O soldado que tomava conta de Asahi, fora logo atingido na cabeça e pelo general mesmo e nunca o havia visto com tanta raiva, não sabia porque. Havia corpos por todos os lados, pessoas que conhecia, e talvez por isso mesmo era que estava ali parado, não queria pisar nos corpos, não fora feito para isso, era um padre, não via pessoas mortas com frequência e agora, quase todos estavam mortos, mas ao menos, ele estava ali e bem, mas não esperava que abraçasse a si, feliz pelo próprio bem estar. Sangrava na boca devido ao soco, na cabeça devido a alguns golpes anteriores, mas fora rápido em se levantar e correr na direção oposta, porém fora parado por um rapaz, que agarrou a si no pescoço e a faca tinha o contato contra a própria pele, queria se mover, mas estava amarrado, e as amarras já cortavam a pele nos pulsos.
- Chega! Mais um tiro e o padre morre!
- Ah, e você vai fazer o que depois que o padre morrer?
O maior indagou e embora fitasse o homem impassível, logo deu um leve sorriso canteiro, irônico. 
- ... Eu não sei.

- Todo o seu... Grupo morreu... - Murmurou Asahi.
- Cale a boca! Eu quero um passe.... Quero sair sem ninguém tocar em mim. Ou eu o mato!
- Tsc, estúpido.
O general resmungou e o eco ruiu seco, num estalo que denunciou a bala que deixava o cano, passando por si, atingindo ao homem, causando um breve arranhão sobre a roupa do padre a sua frente. Não viera de si, mas dera um fim no impasse criado pelo inimigo. Ao deixar a posição se virou ao homem e tocou seu ombro trêmulo.
- Bom trabalho, soldado. Padre, você está bem? Onde está Hana?

Asahi engoliu em seco, e sentia o objeto pressionado contra a pele, principalmente com o tiro desferido pelo rapaz da equipe do maior, e sentiu o fio de sangue escorrer pelo pescoço cortado, pouco, ao menos não iria morrer. Caiu ao chão, junto com ele e permaneceu ali, havia se vestido para ele, e talvez fora um péssimo dia para fazê-lo, iria encontrar a si naquelas condições? Desviou o olhar a ele e estava visivelmente abalado, mas já era chamado de fraco por ele, então não queria dar aquela impressão novamente e assentiu, indicando com uma das mãos a escada para a cozinha, onde viu os soldados seguirem rapidamente.
Kazuma indicou com a cabeça, mandando os homens que habitualmente visitavam a igreja consigo. Já a si, se encaminhou até ele, ajudando-o a se levantar e recompor.
- Vamos, precisa ser tratado.

Asahi desviou o olhar a ele, notando que todos já haviam deixado a área e após o longo minuto de silêncio, quase voou para cima do outro, num abraço forte contra o corpo, e despencou, sentindo as lágrimas que se acumularam nos olhos e agora o deixavam e tudo aquilo se devia ao medo que tinha de perdê-lo, de morrer, de nunca mais vê-lo, não pôde se conter.
- Hey...
O maior disse, como o único reflexo ao vê-lo se desfazer em lágrimas. Era fortinho, embora não suficiente para ser machucado. O abraçou, e deslizou a mão por suas costas.
- Já passou. - Disse e esperou soar confortante. 

O loiro assentiu, apertando-o ainda contra si e não queria soltá-lo, queria ficar daquele modo pra sempre. Fechou os olhos e recostou a face sobre o ombro dele, porém só conseguia pensar nos corpos que recebiam os tiros e caíam ao chão, e estremeceu.
- Sua fé não te alivia, Padre?
Kazuma indagou e ajeitou a arma que ainda pendia no ombro, logo o teve no colo, levando-o para o andar de cima, direção a seu quarto, onde a igreja não havia sido afetada. O menor n
egativou, agarrando-se a ele em todo o passeio até o andar de cima e ainda escondia a face em seu ombro, sentindo as gotas de sangue que escorriam pela face até pingar na camisa dele.
O maior o deitou em sua cama, deixando se acomodar no leito não muito confortável, mas o suficiente.
- Vou chamar a Hana pra cuidar de seus ferimentos. Está tudo bem, eram corpos inimigos, eles fariam muito além disso.

Após deitar-se, Asahi observou-o ao lado de si e segurou a mão dele, entrelaçando os dedos aos do outro e puxou-o para si, negativando.
- ... Mataram a Emi... E três crianças...
- A Emi já estava passando da hora. Crianças, elas descansaram, quem fica é quem sofre, não sabe disso, como um padre?

O loiro assentiu ao ouvi-lo, embora ainda estivesse em choque, e não queria soltá-lo de modo algum.
- ... K-Kazuma... Durma comigo hoje.

Kazuma fitou o rapaz e como daquela forma, parecia mais padre do que ele.
- Eu vou dormir, antes preciso dar um jeito no lugar, certo?

Asahi uniu as sobrancelhas, ainda a apertar a mão dele.
- Eu ajudo, eu estou bem...
Murmurou e levantou-se, devagar, sentindo uma pressão na cabeça.

- Não, fique aí. Será um problema a mais se tentar ajudar nesse estado. A Hana virá e outras enfermeiras também caso haja algum ferido.
- ... Por favor, não saia da igreja, Kazuma...
O menor murmurou e ergueu a face a observá-lo, observando os olhos dele e trocou o olhar por um longo minuto, logo ergueu-se sutilmente e lhe selou os lábios, mesmo com os próprios sujos de sangue.
- Não vo-...
Kazuma disse e fora cortado por seu beijo, o que retribuiu naquele ingênuo toque. Afastou-se pouco depois e limpou o lábio com o polegar o qual deslizou sobre a mucosa, mas acabou deslizando a língua, tirando o que restava do pouco sangue por lá.
- Fique tranquilo.
Disse e deixou seu quarto, evitando uma possível tentativa de ser impedido. Seguiu pelo corredor agora mais calmo da barulheira, ainda que pudesse ouvir os passos dos soldados pela igreja.
- Shogun! Não há feridos neste andar, está tudo limpo.
- Ótimo, onde está a enfermeira? Hana!
Chamou e viu-a seguir cômodo a fora após acomodar seus pacientes, como bem os tratava desde a chegada.
- Sim, estou indo. 

- O Padre está no quarto, tem ferimento na cabeça.

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