Kazuma e Asahi #10


As ruas haviam se tornado pacatas desde o dia anterior, como no ditado popular, a calmaria sempre vinha após a guerra. Havia tido dificuldades de levar mantimentos aos alojados da igreja, mas eles mesmos já haviam se habituado ao fato, alguns dias mandavam a cada três dias regulares e outros podia demorar um tanto mais, sempre que algo mais intenso ocorria na base ou mesmo no alarde que se tornara o país.
Há cerca de uma semana, Asahi não via o oficial por ali e imaginava mesmo que ele estivesse ocupado. Ouvira as batidas suaves na porta do quarto e logo voltou-se em direção a mesma, abrindo-a a dar passagem para a enfermeira habitualmente e se sentou na cama, tendo-a em pé em frente a si.
- O senhor está melhor hoje?
- Hai, eu disse... Quando ele vai embora eu não sinto mais dor no dia seguinte.
- Sabe, isso é uma condição bem estranha, nunca ouvi ninguém me contar uma história dessas.
- Eu imagino. - Sorriu de canto.
- Posso... Ver as marcas para ver se estão cicatrizando bem?
- Eu... Creio que não seja necessário, elas já estão em bom estado.
- O senhor tem...
O loiro ouvia a outra atentamente, porém um ruído surdo cortou suas palavras e veio seguido de um grito, o carro havia estacionado em frente a igreja e assim que parado, algo o atingiu. Não sabia dizer se era algum tipo de bomba, mais parecia uma granada pelo ruído que soou, mas sentiu a igreja tremer com o baque e até ouviu o som de algumas janelas se quebrando, por sorte, não a própria. Levantou-se rapidamente e correu para fora, junto dela, rezando para que ninguém houvesse se machucado.
Ao deixar a base militar depois de serviços a tratar, Kazuma recolheu as caixas com mantimentos suficientes e indicou aos soldados que levassem ao veículo, após abastecer a parte traseira do transporte, adentrou e seguiu junto aos dois homens habituais para a casa religiosa, guiaram-se pelo curto caminho até que chegasse lá e talvez tudo estivesse tão tranquilo como sempre o era após as brigas, que não imaginava que tão cedo seriam retrucados, normalmente levando uns dias mais para que houvesse uma resposta a um ataque, não desta vez. Ao perceber o movimento estranho próximo a igreja, teve somente o tempo de perceber que as coisas não estariam bem e logo terminaram num estouro seco, alto ensurdecedor, não mais viu qualquer coisa, sentia somente a leveza do corpo arremessado, nem mesmo a dor do ataque pôde sentir.
- Estão todos bem?! O que houve?! - Gritou Asahi.
- Hai! Padre! O carro do senhor Sakurai parou aí na frente, acho que o atingiram quando perceberam que eles saíram da base!
Asahi uniu as sobrancelhas, cessando a euforia por um segundo, mas fora o segundo suficiente para pensar e voltou-se num pulo em direção à porta.
- Padre! O senhor não deve sair!
Já era tarde, a cortina de fumaça cobria o rapaz loiro, que procurava incessantemente alguma coisa pelo chão, ou pela frente, não fazia diferença, em meio aquela guerra, nem a igreja estava em paz.
- Senhor Sakurai!
Gritou e permaneceu em silêncio esperando ser ouvido, e fora um longo momento de silêncio que se fez presente, quando finalmente um som rasgou o ar, e não era uma resposta, mas sim balas. Abaixou-se rapidamente, ouvindo o barulho dos tiros que pareciam tão próximos, mas eram de algum soldado tentando exterminar qualquer sobrevivente daquele ataque. Negativou, e sentia o aperto no peito. Podia muito bem voltar para a igreja, mas se o fizesse e algo acontecesse com ele, jamais se perdoaria. Uniu as sobrancelhas e semicerrou os olhos, forçando as vistas a procurá-lo, mesmo pelo chão e já estava ficando tonto com tanta poeira. Abaixou-se, tossindo, tentando tirar parte daquilo dos pulmões e negativou, nunca o acharia ali.
- ... Kazuma... Não pode estar morto...
Murmurou e novamente ouviu os disparos feitos pelas armas, mantendo-se abaixado a tentar desviar, porém ali embaixo, ouvia alguma coisa, um ruído, um som qualquer... Era tosse. Forçou a vista novamente e caminhou alguns passos na direção do pequeno ruído, quase não acreditou no que havia encontrado ali. O viu no chão, estirado, obviamente havia se machucado devido a explosão da bomba e provavelmente, voado para fora do carro, tinha machucados no ombro exposto pela roupa rasgada, alguns no rosto, mas nada considerável, nada parecia quebrado.
- Kazuma.... - Murmurou, agarrando-se a ele e a poeira aos poucos ia abaixando. Negativou. - Tenho que te tirar daqui rápido... Deus, me proteja. - Falou e fez o sinal da cruz antes de finalmente segurá-lo pelos braços como podia. - Vai doer um pouco, desculpe.
Falou a ele, e nem se quer sabia se ele dormia, mas o salvaria de fora. Puxou-o com dificuldade para dentro, era menor que ele, quase não conseguia puxá-lo, mas a adrenalina fora tanta que conseguiu. Chegou até a esbarrar na perna abandonada por ali de um soldado do pelotão dele que havia discutido há uns dias e segurou-se para não gritar. Abriu a porta da igreja, com dificuldade e empurrou o corpo dele para dentro, deixando-o deitado no chão, e já podia ver as enfermeiras boquiabertas com o modo como estava coberto de poeira e pela coragem que teve de sair. Virou-se em direção à porta, e tinha a intenção de fechá-la para que ficassem seguros ali, porém novos disparos vieram, seguidos dos gritos.

- Seus desgraçados! Agora vocês vão aprender a não se meter com a gente!
O padre uniu as sobrancelhas, e sentiu o corpo quase ser arremessado para trás por algum toque no ombro, como um empurrão, mas na hora, não sabia o que era. Mesmo assim, usou a força que tinha e fechou a porta pesada de madeira, colocando a pesada placa de madeira sobre ela no fecho.
- Tragam os armários! 
Fechem as portas! Rápido!
Viu as pessoas ali se ajudando, algumas crianças também e ajoelhou-se ao lado dele, usando o pano úmido oferecido pela enfermeira para limpar o rosto dele e deu-lhe um pouco de ar puro dentro do local.

- Padre! O senhor...
- Me ajudem! Eu não... Não sei se ele está bem!
Falou e abaixou-se, ouvindo os batimentos dele, fracos, meio distantes, então se apoiou em seu peito e o pouco que se lembrava dos primeiros socorros usou, virando-se em direção às enfermeiras.
- Me deem logo a maldita máscara!
Falou e levantou-se, correndo em direção à maleta deixada ao lado, e pegou a máscara de oxigênio, já que todos parados a observar a si, atônitos. Guiou ao rosto dele, abaixando-se sobre seu peito e uniu as sobrancelhas.
- Vamos, Kazuma.... Respire... Respire... Fale comigo...
Falou a ele e nem se quer havia se dado conta, de que o impulso que tomara na porta, fora o tiro recebido no ombro.
- Padre...

- Fiquem aí, se não vão me ajudar, não atrapalhem!
Falou as enfermeiras e aproximou-se novamente, porém notava que ele não respirava com a máscara, e de nada adiantava. Negativou e apoiou o ouvido em seu peito, ouvindo os batimentos que pareciam ter cessado e só então começou a se desesperar. Teria que fazer. A boca, cobriu a dele num suave beijo sutil, não era realmente um beijo para os que estavam de fora, e de certo modo, na teoria não era, mas o via como um, podia sentir os restos de poeira em seus lábios, tirando seu gosto prazeroso e adocicado. Soprou contra eles, a respiração boca a boca que havia aprendido há uns anos e ao cessar, encostou a face contra seu peito, tentando ouvir algum batimento. Como nada ouvia, voltou a respiração e pressionou o peito dele algumas vezes.
No subconsciente, Kazuma imaginava que, aos poucos, verdadeiramente estava adormecendo. Mesmo que de algum modo, parecesse deixar o corpo, como se saísse de dentro dele. No entanto, aos poucos sentia uma queimação crescente, como já havia sentido antes, aos poucos se tornar cada vez mais intensa e se localizar na extensão do ombro ao peito, outros pontos também eram afetados no entanto diante da intensidade de um, quase podia ignorar os outros. Dava-se conta ao mesmo tempo de um espalmo no peito, era forte mas nem tanto. Uma respiração ofegante por perto, toque quente nos lábios. Uma pontada no peito e o ar de volta aos pulmões. Quase engasgou ao senti-lo de volta, porém escasso, respirou fundo, mas por algum motivo, ainda não conseguia acordar.

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