Kazuma e Asahi #12


Os dias haviam passado, e de fato, Asahi já estava nervoso de observá-lo ali todas as noites em seu estado constante. Nem melhor, nem pior. Desacordado e com o soro preso à veia, e era sorte que uma das enfermeiras havia conseguido buscar o equipamento na base, constando que não tinham muito mais soldados por lá, eles haviam mudado de lugar, e não sabia onde estavam. Há dias dormia desconfortavelmente, isso quando dormia e não acordava várias vezes para averiguar o estado dele, da poltrona podia observá-lo na cama e dava alguns suspiros, meio preocupados, sem sair do quarto, até as garotas traziam para si a comida ali e todos os dias, tinha o ritual de limpar o corpo dele com o pequeno lenço umedecido, mantendo a área sempre confortável para quando despertasse.

- Asahi...
Despertou, quase num pulo de um cochilo, desviando o olhar à porta e suspirou, quando percebeu que era apenas a enfermeira.
- ... Emi? Oi.

- Sabe que ele... Pode não acordar, não é?
- ... Não vou ser tão pessimista, se Deus o salvou não vai deixá-lo em coma para sempre, precisamos dele.
- As crianças estão sem leite... Uma delas é bem pequena ainda...
- Eu... Vou procurar suprimentos... - Levantou-se.
- Não quero que faça isso, Asahi...
- Tenho que fazer, ou as crianças vão ficar sem leite.
- Hum. Me deixe cuidar dele enquanto sai... Vou trocar os curativos.
Asahi a observou de soslaio, estanhando os atos e negativou.
- Não é necessário, disso eu já cuidei, ele está bem. Irei a noite, quando vocês dormirem e for menos perigoso, quando eu puder me esconder.

- Irá como uma raposa, padre?
O loiro riu e assentiu, desviando o olhar ao outro na cama.
- É... Uma raposa. Traiçoeira.

- Como estão seus pontos?
- Está tudo bem, não os sinto, fique tranquila.
- Hai... Vou ajudar Hana lá embaixo, e volto logo. Descanse um pouco, padre, parece que não dorme há dias.
O rapaz assentiu a observá-la se retirar e logo se voltou à cama, suspirando e realmente, não dormia há dias. Voltou a se sentar na poltrona.
- ... Você bem que podia acordar...

Kazuma não poderia descrever sonhos ou coisas semelhantes nos quais passara aqueles quase quatro dias desacordado, afinal adormecera e nada mais era que um longo sono branco, sem imagens e sem novelas criadas na própria cabeça, nem mesmo ocasiões do dia-a-dia, vez outra acabava pensando em algo qualquer afinal, tinha vida. Mas naqueles pequenos intervalos podia ouvir a voz dele, aquele alguém que era quase a única coisa o qual tinha atenção nas poucas partes daquele branco interminável que era a própria cabeça. Em todos eles, era convidado a participar do que quer que ele fazia, pedindo que se levantasse ou que acordasse, queria realmente atendê-lo, já sentia o corpo doer e não sabia porque, se era dormir demais, se era atingido por algo, se estava petrificado ou o que quer que fosse. Aos poucos ia pensando um pouco mais sobre coisas que levavam a si cada vez mais próximo do despertar, lembrava-se do dono da voz, descobrira quem o era. Lembrava-se de como havia chegado ali, para levar comida, lembrou-se também que precisava voltar à base militar e lembrava-se também de ter escutado os dias em que estivera adormecido, o que inquietava a si. No corpo refletia um suspiro profundo, desconfortável. E somente nesse momento conseguiu algum movimento, mesmo um simples franzir de cenho até finalmente ser capaz de acordar. Ao recobrar noção de espaço, percebia-se acompanhado mesmo de olhos fechados, uma dor no corpo, parecia ter sido espancando enquanto dormia.
Asahi não tinha mais esperanças, talvez fosse melhor sair dali e deixá-lo por algumas horas, já era noite, não tinha o que fazer, as crianças tinham fome. Ajeitou-se, porém antes de sair, sentou-se por alguns segundos ao lado dele, segurando sua mão e fez uma pequena oração, entrelaçando os dedos aos dele e também, encostou a testa em sua mão.
- Eu vou sair por algum tempo, mas eu volto logo, juro. - Murmurou a ele. - Espero que eu não morra... - Falou e suspirou, porém desviou o olhar a ele em seguida, e só então pode notar seu cenho franzido e alguns movimentos e não quis acreditar. - ... Kazuma...?

O maior gemeu sem voz, mais num sopro nasal. O cenho continuou a criar rugas temporárias entre as sobrancelhas, assim como sentia aquele desconforto corporal. Levou algum tempo até abrir os olhos, ouvindo o próprio nome ser pela milésima vez chamado, estava grato por isso. Por sorte a luz estava apagada, e a claridade vinha de fora do quarto, fitou-o então de soslaio, com o canto do olho. - Admita padre... Me espancou enquanto eu dormia.
O sorriso fora crescendo nos lábios a medida que ele fora acordando, e quando finalmente acordado, o agarrou ao redor do pescoço num abraço, apertando-o contra si.
- Kazuma! Não acredito! É um milagre!

- Não é um milagre.
O maior retrucou o rapaz, enquanto sentia-se envolto no pescoço, até um pouco dolorido e resmungou. No entanto, percebia seu modo tão descontraído, estava feliz e não se conteve por isso, o que não tinha o hábito de ver. Acabou levando somente uma das mãos a seu ombro, já que o outro braço um pouco dolorido demais pra isso.

- Ah... Está dolorido, desculpe. - Asahi murmurou e se afastou dele, sutilmente. - Achei que você não fosse acordar nunca mais...
- Nunca o vi tão expressivo, Padre. - Retrucou sem necessidade de soar delicado.
- Ah... - Murmurou, recompondo-se e somente deslizou uma das mãos pelos cabelos dele numa suave carícia. - Você... Quase morreu...
- Tsc. Eu não tenho certeza se aconteceu o que acho que aconteceu. Quantos dias estou aqui, quatro?

- Hoje é o quarto. Vocês foram atacados quando chegaram aqui, explodiram uma bomba, uma granada... Não sei. Um soldado estava do lado de fora atirando em todos que sobreviveram, mas eu consegui... Trazê-lo para dentro da igreja.
- Atacaram a igreja?
Disse o moreno e embora não exasperasse evidentemente, certamente bem humorado não estava.

- Hai, frente a ela.
Asahi iria contar a ele que havia sido baleado, mas era melhor não irritá-lo mais.

- Não tentaram nada contra vocês aqui dentro, hum?
- Eu coloquei os armários nas portas e bloqueamos como pudemos.
- Bem, acha que ainda estão seguros?

- Eu não sei... Estava saindo agora para buscar leite para as crianças que estão sem. Fiquei sabendo que tem um posto há alguns quilômetros daqui onde fazem trocas, talvez possa oferecer um pouco de vinho em troca do leite.
- Não há necessidade, vou tentar encontrar meus soldados e vamos repor os alimentos.
- Eu não quero incomodar. Também não quero que pense nisso agora, precisa descansar. Asahi disse a deslizar a mão pelos cabelos dele ainda, despercebido que o fazia.
- Você teve algumas feridas expostas, levou alguns pontos no ombro. Já cuidei dos machucados no seu rosto, não vão deixar cicatriz.

- Tenho um problema com esse ombro. - Comentou mais para si mesmo que para ele enquanto fitava a região de soslaio. - Não preciso descansar, quatro dias, meus soldados estarão perdidos.
- Não sabem que está vivo, certamente estão se virando sem você. Desde que houve o ataque, perdemos contato com o mundo lá fora. Peço que fique, ao menos um dia em descanso. Só me desculpo por não ser um local tão confortável, meu quarto é humilde.
- Eu vou atrás deles.
O maior disse em teima. Era naturalmente ativo e bom, no exército não tinha espaço para se lamentar por ferimentos, precisavam se reerguer e seguir em frente.
- Kazuma... Por favor, me preocupo com você. Fique por mais um dia e eu farei o que quiser...
Disse o padre, e realmente queria que ele ficasse, precisava dele consigo, para saber que estava bem, tê-lo por perto, mas talvez, a frase tivesse um sentido diferente, já que já haviam tido relações e notara, mas manteve-se firme de mesmo modo.
- Entendo que se preocupe, Padre, e agradeço. Porém não tenho tempo de pedir regalias em troca de um descanso enquanto soldados podem estar morrendo lá fora. Tenho que cuidar da tropa.
Kazuma disse e talvez estivesse tão decidido sobre o que queria que por pensar ser o certo, acabou não pensando nas utilidades daquela frase e no fim não precisa, podia fazer o que quisesse sem obedecê-lo.
- Além de que as crianças precisam do leite. Alimento ainda tem?

- Sim... - Disse o menor, vencido pelo cansaço e negativou consigo. - Ao menos... Termine o soro e fique até amanhecer.
O moreno aceitou o conselho, notando o estado de atenção do rapaz, queria que ficasse por lá, era evidente.
- Onde o Hiro está? Emi e Hana.

- Hiro está descansando após o jantar, Hana e Emi estão cuidando dos outros... Está tudo bem com eles.
- Eu preciso saber como estão as coisas na base.
- Parece que sua base foi trocada, não estão mais lá, mas não tenho certeza.
- E onde estão?
- Não sei dizer... Ouvimos isso no rádio alguns dias atrás, mas não devem estar longe.
- Inúteis, como anunciam a mudança da base?
- Ah... Hana se lembra das palavras, eles disseram algo como... Fuga de emergência, não sei dizer.
Kazuma fechou os olhos por um instante e embora parecesse impassível, no fundo estava se revirando por ter sido deixado na igreja e por não ser capaz de resolver o problema antes que ocorresse, logo daria um jeito nisso, mesmo que fosse da pior forma possível.
- Kazuma-san... - Asahi falou a ele, tirando-o de seus devaneios talvez. - Me perdoe, mas... Por favor, não deixe nada acontecer com você... Eu... Eu me importo. - Falou, e agora que ele estava acordado, certamente não iria querer a si dormindo no mesmo quarto. Levantou-se, ajeitando os cabelos loiros meio desarrumados. - Vou te dar um pouco de privacidade.

- Se preocupe com os seus fiéis, Padre. Eu escolhi viver assim, não precisa se preocupar tanto pelas vidas de todos. Você pode ficar aqui, é seu quarto.
- Não me preocupo, homens são tolos e dão suas vidas por pouco. Eu me preocupo com você.
- Homens estão dando sua vida pela vida de muitos mais, então o pouco que diz é o mesmo pouco pelo qual se preocupa.
- Então está me dizendo que se você morrer em guerra devo me conformar por saber que é pelas vidas de outros?
- Não é por isso que lutamos?
- Eles não significam um terço do que você significa pra mim...
Asahi falou e no silêncio que se fez, desviou o olhar, não parecia ser quem era, dizendo uma coisa como aquela, ia contra tudo que acreditava. Negativou e voltou-se em direção à porta
- Eu me tornei um monstro...

Kazuma o fitou talvez com a feição tão confusa quanto a dele, ou melhor, inexpressivo, não tinha certeza de como deveria agir ou do que ele queria dizer.
- Não me conhece, Padre. Como posso ser importante pra você?

O loiro desviou o olhar a ele e negativou, e era óbvio que lutava consigo mesmo naquele momento.
- Salvei sua vida, não a desperdice, talvez não tenha uma terceira chance.

- Já tive algumas, Padre. - Disse com um sorriso, tivera realmente sorte por todo aquele tempo. - Por que você é um monstro?
O menor assentiu, já a segurar a maçaneta da porta.
- Estou quebrando todas as regras que eu tive minha vida toda e vendo meus votos sendo jogados no chão e pisoteados por mim. Isso me torna um monstro.

- Não te torna um monstro, isso é ser um humano. Sexo nunca fez mal a ninguém, a religião é quem faz.
- Tenho votos, não faço essas coisas. Devo ser puro e estou me corrompendo com esses... Pensamentos.
- Seus votos já foram quebrados, não pode voltar atrás. Nenhum ser humano é puro, isso é ingenuidade, não sabedoria. Venha, fique, é seu quarto, eu posso sair.
O maior disse e moveu-se com sutileza, conseguia mover as pernas ainda que sentisse o corpo dolorido.
- Não faça isso! - Asahi desviou o olhar a ele e negativou, se dirigindo em sua direção e segurou-o ali, ajeitando-o novamente na cama. - A religião devia ser um lugar seguro para as pessoas, mas elas não sabem usar isso como um instrumento positivo, a primeira chance que o ser humano tem de matar, ele usa com qualquer desculpa. Alguns homens do clero são tão estranhos a mim quanto a você, mas outros lutam para manter a fé nas pessoas, manter algo para que elas acreditem em tempos de guerra. Uma salvação. Eu era um homem de Deus... Agora sou um pecador.

- Claro, assim como homens da guerra são ruins ou bons. - Disse ao tê-lo defronte, como planejou previamente ao se levantar. - O que diz é patético, Padre. Esse papo de pecador, pensa que Deus ame menos a mim porque não sou puro?
- É claro que não, mas eu deveria fazer as missões dele na terra, ou ajudar com isso... Mas sou uma desgraça, vou renunciar ao cargo em breve.
- Deixe de se achar tão especial, você não é um anjo ou o filho que veio para salvar a humanidade por ele, você veio para ter livre arbítrio e viver, para achar seu propósito, serviu a ele até o momento em que deixou de ser importar mais com a religião do que com a sua própria vida. E se hoje ir pra cama com um homem te faz mais feliz do que estar sozinho esperando a resposta divina, então é isso que tem de fazer.
O menor desviou o olhar e obviamente, tinha vergonha de pensar que havia ido para cama com ele, porque aquilo não era algo que devia fazer, não era algo que queria pensar, e tão pouco algo que gostava de falar com ele, se quer falava quando estavam em meio aquele ato lascivo que havia até pedido pela segunda vez.
- ... Eu tenho muito o que pensar, realmente... Devo deixá-lo por hoje, senhor Sakurai.

- Deve deixar de acreditar que seu Deus quer te por no isolamento, que quer que se puna por seus pensamentos. O Deus que as pessoas devem acreditar é naquele que tem misericórdia, ah? Deite-se em sua cama, Padre,
- Não sou alguém que merece misericórdia... - Murmurou. - Você está na minha cama.
- Ora, Deus não é perdão? Deite-se, não estou te impedindo.
Asahi suspirou e desviou o olhar, assentindo apenas, e ele sabia exatamente onde tocar para machucar, já que ficava sem argumentos contra ele. Estava vencido, logo, desceu o zíper da batina, sem muitas opções.
- Não posso me deitar de batina.

Kazuma puxou a pequena cânula que com agulha, depositava soro na veia. Deitou-se logo, sentindo o corpo pesado, dolorido, embora não fosse admitir. Fitou o rapaz a despir-se das roupas, não lhe disse nada em retruque e deu-lhe espaço em sua modesta cama.
O menor o observou retirar a agulha e iria intervir, mas já havia retirado, e não sabia colocar de volta, como iria chamar a enfermeira sem roupas? Expôs a ele aquele curativo quase de mesmo tamanho que o dele no mesmo lado do ombro e logo, deitou-se na própria cama, de roupa intima.
Após ceder seu próprio leito, o moreno preferia ir atrás dos próprios soldados, enquanto não o fizesse, teria dificuldades em se acalmar por ali, no entanto não tinha escolha, tinha o corpo dolorido e pesado, um pouco de tontura pela medicação. Observou o jovem padre, notando sua ferida.
- O que houve com seu ombro?

Asahi desviou o olhar ao ombro, e tinha vergonha de dizer, na verdade, não gostava de ser muito heroico, porque não se achava nada herói.
- Eu... Levei um tiro.
- Como aconteceu?
- ... Não importa, eu estou bem.
- Me diga, eu só quero saber.
- Quando eu estava puxando você pra dentro, o soldado atirou em direção a porta, e era bem onde eu estava.

- Eu disse para que não saíssem da igreja.
- Eu sei, mas não podia deixar você morrer lá fora. E eu estou bem, não se preocupe, só levei alguns pontos.
O loiro falou a ele, e havia se esquecido que até então ele não sabia da própria condição.

- Não gosto de ser desobedecido, Padre. Ainda assim, sua sorte é não ter sido atingido lá fora e sim quando já dentro da igreja, são homens ruins, mas não vão ser por muito tempo. Fico feliz que esteja bem.
Asahi o ouviu em silêncio e desviou o olhar a ele, sutilmente, num pequeno sorriso.
- Mas não desobedeça o que eu disser novamente, eu sei como a situação é lá fora.

- Eu precisava sair, ou não conseguiria te salvar. E não iria me perdoar se algo acontecesse com você.
- Talvez pela imprudência seriamos dois mortos.
- Mas pela minha imprudência, fomos dois vivos.
- Poderia não ser, portanto me obedeça, Padre.
- Hai. - Murmurou e suspirou, desviando o olhar a ele ao lado de si. - Não devia ter tirado o soro.
- Ainda não sei seu nome, por sinal. - Disse a ele, ignorando o conselho.
O menor sorriu meio de canto.
- Kojiro Asahi.

- É um nome bonito.
- Obrigado. Espero que não se importe por eu saber o seu, eu perguntei para uma das enfermeiras.
- Eu não me importo. Não sou general na cama.

Asahi sentiu a face se corar, mesmo suavemente e assentiu.
- Vai ter uma cicatriz agora.

- Hai... Igual a sua.
- É, espero que fique mais bonita.
- Acho a sua bonita.
Kazuma se voltou de soslaio para ele e sorriu. O menor sorriu meio de canto, desajeitado, sem saber o que dizer a ele e mesmo silencioso como tinha costume, se aninhou ao corpo dele e repousou a face sobre seu peito, evitando o ombro e talvez dando mais espaço a ele. O moreno notou a sutileza com que trouxe os movimentos para si, aos poucos se acomodou junto ao ombro. Observou-o de canto, não disse nada embora aquilo fosse um tanto incomum, normalmente agia como quem não revelaria o que faziam no quarto ou não assumiria sequer para si mesmo, mas agora o fazia.

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