Kazuma e Asahi #3


- Vamos, sejam rápidos.
Kazuma ordenou guiando-os ao interior da igreja após cruzarem o extenso patio de entrada. A rua ainda estava bem movimenta, era preciso portanto ter rapidez para colocá-los dentro de sua nova casa temporária, e com eles, somavam um total de cinco idosos e quatro crianças acomodados na igreja. Junto aos novos hóspedes, levava também mais quatro caixas de alimentos, duas enfermeiras e um jovem cozinheiro responsável por manter a ordem e o preparo da alimentação. Ao fechar a maciça porta de madeira ouvia-se ressoar com o peso no limiar, ecoando pelo salão sagrado. Como os primeiros levados até lá, tinham roupas rasgadas e marcas da idade acentuadas pelo sofrimento lá fora. Diferentemente das primeiras crianças, aquelas outras duas eram tímidas feito animais medrosos e judiados pelas ruas. Não se demorou a cruzar o olhar com o padre, que sempre ao ouvir o portão frontal, colocava-se prontificado no salão de sua igreja bem cuidada.
- Emi, você pode cuidar dele, tem o braço quebrado.
Disse à jovem enfermeira de olhos estreitos naturalmente, cara fechada como quem não 
gostava de nada, mas que no fundo podia ser mais dócil que Hina, a outra enfermeira, de feições muito mais receptivas. Não precisou ordenar ao jovem soldado responsável pela cozinha, e via-o partir até o padre, pedindo direção onde pudesse acomodar os alimentos e também prepará-los, tal como instruções do aposento para enfermaria.
Asahi voltou a descer as escadas e já meio que sabia o que encontraria lá, o militar com seu uniforme impecável, transformando a igreja em um abrigo para os que não tinham condições de se cuidar sozinhos lá fora. Era receptivo como sempre fora, afinal, era um padre, tinha que atendê-los como um homem na casa de Deus faria. Cruzou o olhar com ele, por acaso enquanto os instalava, e desejou que aquele olhar pudesse ser palavras trocadas, gostaria de conhecê-lo mais intimamente, saber quem era aquele homem tão bravo e corajoso. Deu as instruções ao cozinheiro que se fez prontificado a fazer outra coisa além de sopa, que era o que sabia fazer somente e logo voltou a atenção ao rapaz a pouca distância, seguindo até ele.
- Senhor Sakurai... Vejo que retornou. 

- Foi justamente o que lhe disse que faria.
Kazuma retrucou ao padre em seu comentário, enquanto cruzava as mãos atrás do corpo, seguindo a quebrar a pequena distância que detinham e então, tirar o quepe dos cabelos navalhados, meio raspados.  Deu uma breve curvada com a cabeça, somente, assim num breve informal cumprimento.
- Tem precisado de algo para os hóspedes da outra vez?  

O padre o observou em sua reverência, retirando o quepe e sorriu de canto, mordendo o lábio inferior, mas cessou quando percebera o feito.
- Ah?
 Iie, eu agradeço sua contribuição, quer vê-los? Estão melhores. 
- Não é necessário, é preferível que descansem. As crianças não são barulhentas? Peço que não aja gritarias. Se algum soldado além de mim pedir que abra a porta, não faça.  
- Não, são tranquilas... - O loiro falou e arqueou uma das sobrancelhas. - ... Certo. Murmurou e já sabia do que se tratava, um padre que morava consigo antes já havia relatado um caso de abuso com ele mesmo por um soldado.
- Senhor, ficará para que conversemos essa noite? 

Kazuma observou o jovem religioso e bem, tinha coisas a fazer ainda naquela noite, porém conseguia algum tempo. Verificaria por hora as instalações que na verdade certamente eram boas o suficiente, mas trocaria consigo algumas palavras.
- Talvez eu possa ter algumas horas de descanso. 

Asahi assentiu e sorriu, finalmente.
- Ah, fico feliz em finalmente poder ter sua companhia. 

- Nada que seja um motivo para se felicitar. Fica a proposta do vinho? 
- Mas é claro, muito para o senhor, um pouco para mim, ou não poderei cuidar dos nossos hospedes. - Sorriu.
- Nada que as enfermeiras não possam resolver.
O maior disse com o ar bem humorado e um sorriso lateral e tocou brevemente o ombro do jovem cristão. O loiro s
entiu o toque e cessou por um instante o que dizia, até a linha de raciocínio, fazia um certo tempo que não era tocado, por não deixar as pessoas tocarem a si mesmo, e de certo modo, por algum motivo, nada disse a ele.
O moreno fitou o homem que pareceu absorto por um instante e a mão que antes tocava a seu ombro levou em frente a seus olhos.
- Hoy.  

Asahi piscou algumas vezes e desviou o olhar a ele, negativando.
- Ah, desculpe... Eu... Bem, vamos descer até a cozinha, vou te dar o vinho. - Sorriu.

- Claro.
Kazuma concordou ao fitá-lo e deu passagem ao início de sua caminhada, seguindo direção guiada pelo padre, até encontrarem o cômodo o qual se dirigia. O menor sorriu novamente e assentiu numa curta reverência, seguindo com ele pelos degraus de madeira até o andar de baixo, quase como um pequeno porão e ali haviam algumas caixas de vinho, e fora uma delas que colocou sobre a mesa de madeira ali existente e retirou uma garrafa, assoprando-a para retirar o pó e riu baixo.

- Esse é dos bons. - Falou a ele e serviu em duas taças a bebida vermelha.
O maior desceu pela escadaria que rangia a cada pisada enquanto seguia ao cômodo escondido abaixo do salão da igreja. Como uma pequena antiga adega, tinha caixas desorganizadas mas organizadas a seu modo. Assistiu o rapaz colocar a caixa pesada sobre a mesa de madeira tal como oitenta por cento do ambiente, e ao se livrar da poeira que indicava os anos sem limpeza ou talvez o envelhecimento do vinho, dispôs finalmente uma dose do vinho nas taças cristalinas tão divergentes à aparência da adega. De bom grado aceitou a bebida, e rodeou-a suavemente pela taça antes de finalmente tragar e sentir o suave ardor na garganta junto ao doce sabor de uva. E com um breve sorriso teve de concordar com a qualidade do que servia.
Kazuma moveu pouco a taça do vinho, embora não soubesse para que aquilo servia e bebeu um pequeno gole, acompanhando-o em sua apreciação, e de fato, era saboroso mesmo. Não costumava tomar muito vinho, era um clérigo, logo preferia ficar mais na água ou até mesmo algum suco.
- Perdoe minha ignorância, não sei apreciar um bom vinho como o senhor, mas... Hum, acho que é gostoso. 

- Não é como se eu fosse especialista em vinhos. Vinhos existem dois tipos, os bons e os ruins. - Disse num sorriso meio de canto.  
Asahi riu baixinho e assentiu, bebendo mais um gole da bebida doce.
- Touché, senhor. 

O maior se deu liberdade a escolher um dos lugares à mesa e então se sentar. Do mesmo modo como deliberadamente serviu um tanto mais de vinho de sua garrafa empoeirada e tornou tragar.
- Me diz como essa igreja se tornou tão vazia.  

O loiro se sentou logo ao lado dele e bebeu mais alguns goles do vinho, cessando por ali enquanto o observava e tornou a esconder as mãos, esquecendo-se do fato de que ele podia ver as feridas.
- Bem, todos tem medo da morte, eu acho. O outro mundo é um mistério para nós humanos, talvez temam que não haja bem um paraíso.  

- Não acho que se dedicariam tanto tempo a isso se não realmente acreditassem, a menos que fossem realmente tolos.  
- Se surpreenderia em como as pessoas podem ser tolas, meu caro. 
- Já não me surpreendo com nada, Padre. 
- É, nem eu. - O loiro sorriu, meio de canto. - Um dos padres, bem, não era bem um padre ainda, era recente, um garoto que havia se tornado padre, saiu da igreja para comprar suprimentos, quando encontrou um grupo de... De... Militares. Não me leve a mal, não quero ofendê-lo. Encontrarem ele uma hora depois em prantos, as roupas rasgadas, foi horrível... 
- Não me ofendo, não sou como os homens que estão dispersos por aí. E o que houve com o rapaz? 
- Foi violentado... Bem, depois que voltou pra cá, não teve muito o que fazer, ele estava bem machucado. Eu teria insistido uma visita a um médico, prevejo alguns bons avanços na área de psicologia, mas... Estamos em guerra, não há para onde ir, certo? Ele ficou de cama alguns dias, tremia, talvez fosse um trauma. Ele não resistiu. 
Kazuma balançou suavemente a cabeça, afirmativo, em compreensão e após livre do uso da boca onde o vinho, pôde prosseguir.
- Lamentável. 

- Toda essa guerra é lamentável... - Murmurou.
- E o restante dos homens? Suponho que essa inúmera quantidade de quartos e cômodos não eram desocupados.
- Bem, quatro fugiram. O restante eram freiras, ou garotos, aprendizes, coisas do tipo que fugiram com eles ou foram mortos. Essa situação do padre foi a mais estranha que ocorreu conosco, mas se isso ocorreu com ele, deve imaginar com as garotas.

- Mas por que fugiram ao invés de permanecerem dentro da igreja? Será que não foram sábios o suficiente para perceber que era o único lugar não afetado? 
- O problema é que esse lugar foi afetado. Foi por isso que muitos deles fugiram. Há um mês alguns militares entraram aqui, quase derrubaram a porta e levaram todas as mulheres restantes na casa... Tentaram matar todos que tentaram impedir. 
- Impossível, toda essa área está sob minha supervisão. 
- Foi o que aconteceu.
O padre falou a ele e suspirou, porém notara seu olhar a estranhar o dito. Não mentia e por isso mesmo se levantou e desabotoou a roupa na parte de cima, abaixando-a a expor a clavícula, peito e timidamente expôs parte do abdômen, segurando o tecido a cobrir o restante do corpo e as partes onde não tinha intenção de mostrar. Ali na cintura, expôs uma marca que agora era uma cicatriz, mas antes fora algo semelhante a uma faca que penetrara a pele.

Kazuma ergueu a direção visual, encarando o religioso a deliberadamente expor sua prova, o que não pedia. No entanto notou em seu corpo magro, cujo os ossos da costela apareciam suavemente sob a pele ferida mas já cicatrizada com um suave relevo que marcava. Desviou o olhar no entanto, poderia ter melhor apreciado aquela visão se não estivesse irritado. Tomou o restante do vinho e deixou a taça acima da mesa.
- Bem, devo voltar ao trabalho. 

O loiro uniu as sobrancelhas, voltando a fechar a roupa que usava rapidamente, e desviou o olhar a ele, notando a batida seca que a taça fez sobre a madeira.
- Ah... Mil perdões, eu não quis irritá-lo ou... Insinuar alguma coisa, eu só quis mostrar...
O moreno assentiu em compreensão enquanto ainda comprimia os lábios, sentindo o gosto de vinho na boca.
- Entendo, Padre. É ótimo que esteja melhor.
Retrucou ainda assim ao homem e não era o tipo de pessoa que poderia facilmente esconder uma onda de desgosto, portanto não tentava contê-lo. Ao se levantar já arrumava o quepe na cabeça, seguindo direção a sua escada barulhenta de madeira.
- Como já disse antes, não abra as portas a ninguém. Os recados podem ser entregues por carta através do soldado na entrada e você pode entregar por baixo da porta, ele saberá o que fazer. Volto em três ou cinco dias caso não precise de algo. 

O loiro se manteve a observá-lo em silêncio e talvez devesse ter permanecido em silêncio igualmente antes, era um pecado que costumava cometer, falar demais. Assentiu a ele, fazendo uma pequena reverência e não entendia se estava irritado com os soldados ou consigo, por ter se despido em frente a ele, não deveria tê-lo feito, isso era óbvio, mas não havia outro modo de provar o feito.
- Tome cuidado lá fora... Senhor Sakurai. 

- Farei isso, Padre.
O outro disse a observar o rapaz por algum tempo mas logo retomar ao salão, pôde ver os novos hóspedes da igreja, os que trouxera a pouco tempo atrás, já levados a seus aposentados após as vestes trocadas e com certeza com banho tomado.
- Fiquem dentro da igreja.  

Asahi o esperou subir e negativou consigo mesmo, fechando o vinho com a rolha retirada e guardou-o no lugar, negativando novamente logo em seguida.

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